Administração de conflitos
Eunice
Maria Nascimento e Kassem Mohamed El Sayed
Introdução
Os conflitos existem desde o início da
humanidade, fazem parte do processo de evolução dos seres humanos e, são
necessários para o desenvolvimento e o crescimento de qualquer sistema
familiar, social, político e organizacional.
É possível pensar inúmeras
alternativas para indivíduos e grupos lidarem com os conflitos. Estes podem ser
ignorados ou abafados, ou sanados e transformados num elemento auxiliar na
evolução de uma sociedade ou organização.
Se observarmos a história, até há
pouco tempo a ausência de conflitos era encarada como expressão de bom
ambiente, boas relações e, no caso das organizações, como sinal de competência.
Alguns profissionais viam o conflito
de forma negativa, como resultante da ação e do comportamento de pessoas
indesejáveis, associado à agressividade, ao confronto físico e verbal e a
sentimentos negativos, os quais eram considerados prejudiciais ao bom
relacionamento entre as pessoas e, conseqüentemente, ao bom funcionamento das
organizações.
1 Visão positiva do conflito
O conflito é fonte de ideias novas, podendo levar a
discussões abertas sobre determinados assuntos, o que se revela positivo, pois
permite a expressão e exploração de diferentes pontos de vista, interesses e
valores.
A administração de conflitos consiste
exatamente
na escolha e implementação das
estratégias mais
adequadas para se lidar com cada tipo de situação.
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Em alguns momentos, e em determinados níveis, o
conflito pode ser considerado necessário se não se quiser entrar num processo
de estagnação.
Assim, os conflitos não são necessariamente
negativos; a maneira como lidamos com eles é que pode gerar algumas reações.
A administração de conflitos consiste exatamente na
escolha e implementação das estratégias mais adequadas para se lidar com cada
tipo de situação.
Para entender um pouco mais a visão positiva de
conflito iremos conceituá-lo aqui como um processo onde uma das partes
envolvidas percebe que a outra parte frustrou ou irá frustrar os seus
interesses. Isto quer dizer que no dia-a-dia vivemos o conflito de diferentes
maneiras: quantas vezes as pessoas não atravessam nosso caminho, dificultando
ou mesmo impedindo o atingimento de nossos objetivos? Assim, o conflito não
deve ser visto apenas como impulsionador de agressões, disputas ou ataques
físicos, mas como um processo que começa na nossa percepção e termina com a
adoção de uma ação adequada e positiva.
2 - Possíveis causas do conflito
Para a correta administração do conflito é
importante que sejam conhecidas as possíveis causas que levaram ao seu
surgimento. Dentre elas, é possível citar:
Experiência
de frustração de uma ou ambas as partes: incapacidade de atingir uma ou
mais metas e/ou de realizar e satisfazer os seus desejos, por algum tipo
de interferência ou limitação pessoal, técnica ou comportamental;
Diferenças
de personalidade: são invocadas como explicação para as desavenças tanto
no ambiente familiar como no ambiente de trabalho, e reveladas no
relacionamento diário através de algumas características indesejáveis na
outra parte envolvida;
Metas
diferentes: é muito comum estabelecermos e/ou recebermos metas/objetivos a
serem atingidos e que podem ser diferentes dos de outras pessoas e de
outros departamentos, o que nos leva à geração de tensões em busca de seu
alcance.
Diferenças
em termos de informações e percepções: costumeiramente tendemos a obter informações
e analisá-las à luz dos nossos conhecimentos e referenciais, sem levar em
conta que isto ocorre também com o outro lado com quem temos de conversar
e/ou apresentar nossas ideias, e que este outro lado pode ter uma forma
diferente de ver as coisas.
3 Níveis de conflito
Um conflito, como já se viu, freqüentemente pode
surgir de uma pequena diferença de opiniões, podendo se agravar e atingir um
nível de hostilidade que chamamos de conflito destrutivo.
A seguir, é possível acompanhar a evolução dos conflitos
e suas características:
Nível 1
- Discussão: é o estágio inicial do conflito; caracteriza-se normalmente
por ser racional, aberta e objetiva;
Nível 2
- Debate: neste estágio, as pessoas fazem generalizações e buscam
demonstrar alguns padrões de comportamento. O grau de objetividade
existente no nível 1 começa a diminuir;
Nível 3
- Façanhas: as partes envolvidas no conflito começam a mostrar grande
falta de confiança no caminho ou alternativa escolhidos pela outra parte
envolvida;
Nível 4
- Imagens fixas: são estabelecidas imagens preconcebidas com relação à
outra parte, fruto de experiências anteriores ou de preconceitos que
trazemos, fazendo com que as pessoas assumam posições fixas e rígidas;
Nível 5
- Loss of face (ficar com a cara no chão.): trata-se da postura de continuo
neste conflito, custe o que custar, eu lutarei até o fim, o que acaba por
gerar dificuldades para que uma das partes envolvidas se retire;
Nível 6
- Estratégias: neste nível começam a surgir ameaças e as punições ficam
mais evidentes. O processo de comunicação, uma das peças fundamentais para
a solução de conflitos, fica cada vez mais restrito;
Nível 7
- Falta de humanidade: no nível anterior evidenciam-se as ameaças e
punições. Neste, aparecem com muita freqüência os primeiros comportamentos
destrutivos e as pessoas passam a se sentir cada vez mais desprovidas de
sentimentos;
Nível 8
- Ataque de nervos: nesta fase, a necessidade de se autopreservar e se
proteger passa a ser a única preocupação. A principal motivação é a
preparação para atacar e ser atacado;
Nível 9
- Ataques generalizados: neste nível chega-se às vias de fato e não há
outra alternativa a não ser a retirada de um dos dois lados envolvidos ou
a derrota de um deles.
O
modelo apresentado aplica-se a qualquer tipo de conflito.
Dependendo
da importância que se dá ao conflito - ignorando-o ou reprimindo-o ele tende a
crescer e a se agravar. Porém, quando é reconhecido e as ações corretivas são
aplicadas imediatamente, poderá ser resolvido e transformar-se numa força positiva,
capaz de mudar hábitos e nos estimular a buscar resultados mais positivos.
4 Tipos de conflito
O conflito é um elemento importante. Seja na
dinâmica pessoal ou organizacional, é um fator inevitável. Por mais que se
desenvolvam esforços no sentido de eliminá-lo, não poderemos contê-lo.
Observam-se, hoje, inúmeros profissionais disseminando fórmulas e estratégias
para trabalhar com os conflitos. No entanto, o que se faz necessário é
conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como estamos preparados para
trabalhar com eles.
Para lidar com conflitos, é importante
conhecê-los, saber qual é sua amplitude e como
estamos preparados para trabalhar com
eles.
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Existem vários tipos de conflito e sua
identificação pode auxiliar a detectar a estratégia mais adequada para
administrá-lo:
Conflito
latente: não é declarado e não há, mesmo por parte dos
elementos envolvidos, uma clara consciência de sua existência.
Eventualmente não precisam ser trabalhados;
Conflito
percebido: os elementos envolvidos percebem, racionalmente, a
existência do conflito, embora não haja ainda manifestações abertas do
mesmo;
Conflito
sentido: é aquele que já atinge ambas as partes, e em que há
emoção e forma consciente;
Conflito
manifesto: trata-se do conflito que já atingiu ambas as
partes, já é percebido por terceiros e pode interferir na dinâmica da
organização.
5 Áreas de
conflito
Os conflitos podem ser divididos nas seguintes
áreas:
Além disso, a violência tem sido, no decorrer da
história, um dos instrumentos mais utilizados na tentativa de sanar conflitos.
Talvez a fantasia de todo ser humano seja eliminar uma idéia adversa à sua, em
vez de ter que questionar sua própria posição;
Conflitos
tradicionais: pertencem à história e são aqueles que
reúnem indivíduos ao redor dos mesmos interesses, fortalecendo sua
solidariedade. Os conflitos aparecem por três razões principais: pela
competição entre as pessoas, por recursos disponíveis, mas escassos; pela
divergência de alvos entre as partes; e pelas tentativas de autonomia ou
libertação de uma pessoa em relação à outra.
Podem ser entendidos como fontes de conflito: direitos
não atendidos ou não conquistados; mudanças externas acompanhadas por tensões,
ansiedades e medo; luta pelo poder; necessidade de status; desejo de êxito
econômico; exploração de terceiros (manipulação); necessidades individuais não
atendidas; expectativas não atendidas; carências de informação, tempo e
tecnologia; escassez de recursos; marcadas diferenças culturais e individuais;
divergência de metas; tentativa de autonomia; emoções não
expressas/inadequadas; obrigatoriedade de consenso; meio-ambiente adverso e
preconceitos.
6 Conflitos interpessoais nas organizações
Tais
conflitos se dão entre duas ou mais pessoas e podem ocorrer por vários motivos:
diferenças de idade, sexo, valores, crenças, por falta de recursos materiais,
financeiros, por diferenças de papéis, podendo ser divididos em dois tipos:
Hierárquicos:
colocam em jogo as relações com a autoridade existente. Ocorre quando a
pessoa é responsável por algum grupo, não encontrando apoio junto aos seus
subordinados e vice-versa. Neste caso, as dificuldades encontradas no
dia-a-dia deixam a maior parte das pessoas envolvidas desamparada quanto à
decisão a ser tomada.
Pessoais: dizem
respeito ao indivíduo, à sua maneira de ser, agir, falar e tomar decisões.
As rixas pessoais fazem com que as pessoas não se entendam e, portanto,
não se falem. Em geral esses conflitos surgem a partir de pequenas coisas
ou situações nunca abordadas entre os interessados. O resultado é um
confronto tácito que reduz em muito a eficiência das relações.
7 Conseqüências do conflito
Entre os vários aspectos do conflito, alguns podem
ser considerados como negativos e aparecem com freqüência dentro das
organizações.
Os mais visíveis podem ser identificados nas
seguintes situações:
quando
desviam a atenção dos reais objetivos, colocando em perspectiva os
objetivos dos grupos envolvidos no conflito e mobilizando os recursos e os
esforços para a sua solução;
quando
tornam a vida uma eterna derrota para os grupos de perdedores habituais,
interferindo na sua percepção e na socialização daqueles que entram na
organização;
quando
favorecem a percepção estereotipada a respeito dos envolvidos, como ocorre
freqüentemente em organizações. Se por um lado existem os estereótipos
genéricos referentes às categorias profissionais, dentro de cada
organização, além dos tipos que fazem parte de sua cultura individual,
como seus heróis, mitos, tipos ideais, começam a surgir seus perdedores,
ganhadores, culpados e inimigos.
Esses aspectos podem ser observados em todas as
organizações e são considerados negativos (salvo diante de alguns objetivos
menos confessáveis). No entanto, existem potenciais efeitos benéficos dos
conflitos, a saber:
são
bons elementos de socialização, pois oferecem aos novos participantes de
um grupo a sensação de envolvimento com alguma causa;
ajudam
a equilibrar as relações de poder dentro da organização, pois em qualquer
episódio de conflito pode haver diferentes ganhadores (independentemente
das percepções anteriores);
propiciam
a formação de alianças com o objetivo de ganhar num conflito específico
mas também de garantir mais poder.
Lidar com o conflito implica trabalhar
com grupos e tentar romper alguns dos
estereótipos vigentes na organização.
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Sejam eles positivos ou
negativos, os conflitos podem ser considerados úteis pelo papel que desempenham
na vida das pessoas. O chamado comportamento político na organização, também
inevitável, tem uma forte vinculação com o conflito, pois sua relação é direta,
ou seja, quanto mais conflito mais comportamento político. Assim, quando há
dúvidas sobre a sobrevivência da organização, sobre sua resposta às
necessidades organizacionais, sobre aspectos sucessórios, mais voltada, para a
formação de alianças e para negociações, será a atuação de seus membros.
Lidar com o conflito implica trabalhar com grupos e
tentar romper alguns dos estereótipos vigentes na organização, sabendo que
essas mesmas estratégias deverão ser repetidas periodicamente.
Criar tarefas a serem executadas em conjunto por grupos
diferentes é uma forma de garantir que seu cumprimento seja reconhecido pela
potencialização do trabalho dos grupos. Quaisquer estratégias de confronto
podem ser utilizadas caso o conflito já seja franco, desde que exista entre as
partes alguém que desempenhe um papel moderador.
8 Como administrar os
conflitos
Para uma eficaz resolução dos conflitos é preciso
compatibilizar alguns passos a serem seguidos, conhecer e aplicar alguns saberes
e, também, definir o estilo a ser adotado.
Os seguintes passos são considerados de suma importância:
a)
criar uma atmosfera afetiva;
b)
esclarecer as percepções;
c)
focalizar em necessidades individuais e compartilhadas;
d)
construir um poder positivo e compartilhado;
e)
olhar para o futuro e, em seguida, aprender com o passado;
f)
gerar opções de ganhos mútuos;
g)
desenvolver passos para a ação a ser efetivada;
h)
estabelecer acordos de benefícios mútuos.
Para que a negociação possa ocorrer, é necessário
que ambas as partes tenham as seguintes capacidades:
Saber comunicar
sem diálogo não há comunicação
nem solução possível para os problemas;
a maioria dos erros, omissões,
irritações, atrasos e conflitos é causada por uma comunicação inadequada.
Saber ouvir
sempre a uma resolução sem sucesso;
demonstrar
interesse genuíno pela pessoa que fala e pelo assunto;
evitar
criticar ou tentar dirigir a conversa;
adotar
uma posição afirmativa, mostrando respeito pela outra pessoa.
Saber perguntar
Saber perguntar é uma outra faceta do ouvir
ativamente, pois quem pergunta conduz a conversa.
Quanto ao estilo a ser adotado, é
recomendável adotar um estilo que leve à solução do conflito da forma mais
pacífica possível. O que vai definir seu atual estilo de administrar conflitos
está diretamente ligado a duas importantes características de comportamento:
assertividade e cooperação.
A seguir, relacionam-se alguns estilos e algumas de suas
características:
Competição
busca
satisfação dos interesses, independentemente do impacto que isto possa
causar na outra parte envolvida;
tenta
convencer a outra parte de que sua conclusão está correta e a dela está
equivocada;
leva a
outra parte a aceitar a culpa por um problema qualquer.
Colaboração
Evitação
trata-se
de estilo considerado não-assertivo e não-cooperativo;
evita
todo e qualquer envolvimento com o conflito, chegando a negar sua
existência e o contato com as pessoas que podem causá-lo.
Acomodação
trata-se
de estilo considerado não-assertivo e cooperativo;
a parte
que utiliza este estilo tende a apaziguar a situação, chegando a colocar
as necessidades e interesses da outra parte acima dos seus.
Compromisso
Este estilo encontra-se no padrão médio de
assertividade e cooperação, em que uma das partes envolvidas no conflito
desiste de alguns pontos ou itens, levando a distribuir os resultados entre
ambas as partes.
Considerações finais
O manejo de situações de conflito é essencial para as
pessoas e as organizações como fonte geradora de mudanças, pois das tensões
conflitivas, dos diferentes interesses das partes envolvidas é que nascem
oportunidades de crescimento mútuo.
Inúmeros fatores podem influenciar o surgimento do
conflito, não ficando restrito às questões relacionadas ao trabalho ou à
estrutura organizacional. Os mais comuns são as diferenças individuais, os
diversos níveis de competência interpessoal, as diferentes visões de mundo,
entre outros.
Não devemos esquecer que somos seres com capacidade e
habilidade para ouvir e entender melhor nossos semelhantes. Com esta postura,
silenciamos nossa voz interna e deixamos crescer a voz do outro, permitindo que
soe clara dentro de nós. O desejo mais profundo do coração humano é o de ser
compreendido, e perceber isto é possibilitar um processo eficaz de comunicação.
Bibliografia recomendada
CHALVIN,
Dominique; EYSSETTE, François. Como resolver pequenos conflitos
no
trabalho. São Paulo: Nobel, 1989.
DIMITRIUS, Jô-Ellan; MAZARELLA, Mark. Decifrar
pessoas: como entender e
prever
o comportamento humano. São Paulo: Alegro, 2000.
MARTINELLI,
Dante P.; ALMEIDA, Ana Paula de. Negociação e solução de
conflitos.
São Paulo: Atlas, 1998.
ROBBINS,
Stephen P. Administração: mudanças e perspectivas. São Paulo:
Saraiva,
2001.
WAGNER, John A.; HOLLENBECK, John R.
Comportamento organizacional:
criando vantagem competitiva. São Paulo: Saraiva, 2000.