História da corrupção no Brasil
Segundo Raymundo Faoro, a corrupção é um "vício" herdado do mundo ibérico, resultado de uma relação patrimonialista entre Estado e Sociedade.[1] O nepotismo já teria desembarcado no Brasil a bordo da primeira caravela, sendo apontado como exemplo a Carta a El-Rei D. Manuel escrita por Pero Vaz de Caminha, onde solicita ao rei que mandasse "vir buscar da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro".[2] Para ocupar e administrar o novo território, tarefa bastante complicada pela distância geográfica e precariedade das comunicações, a coroa portuguesa teve de oferecer incentivos e relaxou na vigilância de seus prepostos. Isso gerou um ambiente de tal modo favorável à prática da corrupção,[3] que já no século XVII, o padre Antônio Vieira denunciou-o através do Sermão do Bom Ladrão, onde expõe corajosamente os desmandos praticados por colonos e administradores no Brasil:[4]
“ | O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre e de mais alta esfera. (...) os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. - Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.[4] | ” |
A corrupção durante o Regime Militar[editar | editar código-fonte]
O combate à corrupção foi uma das grandes bandeiras do golpe militar de 1964. Este alvo específico, assim como a denúncia da "infiltração comunista" na vida brasileira e o discurso moralista, pode ser encarado como fruto da vinculação entre os militares, as classes médias urbanas, e partidos políticos de cunho conservador, como a União Democrática Nacional (UDN, da qual originou-se o termo "udenismo"), fundada em 1945, pouco antes do fim da ditadura do Estado Novo. A UDN, que após três derrotas consecutivas em eleições presidenciais (1945, 1950 e 1955), havia vencido com Jânio Quadros em 1960, viu seus planos de poder serem abortados quando o presidente renunciou poucos meses depois, em 1961. Portanto, não é de estranhar o apoio dado pela UDN ao golpe de 1964: isto apenas ressalta que, embora o movimento tenha sido militar, teve amplo apoio dos setores conservadores da sociedade civil.[6] [7]
Imbuído deste espírito moralizante, logo no início de sua administração o marechal Castelo Branco prometeu que faria ampla investigação e divulgação sobre a corrupção vigente no governo deposto de João Goulart.[8] Um dos principais instrumentos criados com este fim foi a Comissão Geral de Investigações (CGI), órgão encarregado de conduzir os Inquéritos Policiais Militares.[9] Os malfeitos averiguados seriam reunidos num "livro branco da corrupção", ao qual seria dado grande divulgação. Tal livro, contudo, jamais chegou a ser produzido, muito menos publicado. É presumível que os militares tenham concluído que não poderiam dar publicidade à corrupção alheia sem revelar àquela que existia em suas próprias fileiras. Em 1978, a CGI foi extinta pelo general-presidente Geisel.[10]
Rapidamente, não só os militares tiveram que reconhecer que o combate à corrupção era atividade estranha à corporação, como aprenderam a conviver e até a beneficiar-se dela.[11] Os generais-presidentes buscavam isolar-se do comportamento delituoso de alguns de seus subordinados através de demonstrações públicas de austeridade em suas vidas pessoais. O que seus comandados faziam em causa própria, desde que não representasse um risco à imagem das forças armadas, raramente era investigado.[10]
Apesar do empenho moralizante da ditadura militar, não somente a corrupção era "muito mais difícil de caracterizar, punir e erradicar" do que a subversão (como reconheceu o próprio marechal Castelo Branco), como a CGI tão somente não era o instrumento capaz de impedi-la pela mera intimidação.[10] Por sua própria natureza autoritária, o regime inviabilizava a fiscalização de seus atos por parte da sociedade civil, da imprensa e do Congresso Nacional. Não havia transparência, muito menos órgãos fiscalizatórios. Conforme diz o juiz Márlon Reis, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, "obras faraônicas como Itaipu, Transamazônica e Ferrovia do Aço, por exemplo, foram realizadas sem qualquer possibilidade de controle. Nunca saberemos o montante desviado. Durante a ditadura, a corrupção não foi uma política de governo, mas de Estado, uma vez que seu principal escopo foi a defesa de interesses econômicos de grupos particulares."[12]
A corrupção pós-ditadura[editar | editar código-fonte]
Nas últimas duas décadas do século XX, particularmente após o fim do regime militar,[12] casos de corrupção notórios obtiveram grande destaque na mídia, tendo inclusive resultado no afastamento do presidente Fernando Collor de Mello.[nota 1] [13] Pela primeira vez, a imprensa apresentava detalhes e provas documentais e a real extensão dos roubos de material, desvios de recursos públicos e denunciava desmandos nos poderes executivos e legislativos.[14] .
A partir de 1993, a extensão das denúncias abalou a crença nas instituições e no futuro do país e provocou a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que ficou conhecida como a CPI do Orçamento, presidida pelo então senador Jarbas Passarinho e tendo como relator o governador de Pernambuco à época, Roberto Magalhães. Em 2014, todavia, o ex-presidente Collor foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal das denúncias de corrupção que lhe foram imputadas e que resultaram no seu "impeachment".[15]
Dados[editar | editar código-fonte]
No Índice de Percepções de Corrupção de 2014, o Brasil foi classificado na 69ª posição entre 175 países e territórios, empatando com Bulgária, Grécia, Itália e Romênia mas ficando atrás de Cuba (63°), Chile (22°), Uruguai (19°) e da maioria dos países da Europa e América do Norte. Este resultado classifica o Brasil como tendo a corrupção percebida pela sua população em um nível menor do que outras economias emergentes tais como Índia (83°), China (100°) e Rússia (136°) e que a maioria das nações sul-americanas (por exemplo, Peru (83°), Colômbia (94°) e Argentina (106°)).[16]
Em 2010, um estudo da Fiesp apontou que o custo anual da corrupção no país é de 1,38% a 2,3% do PIB.[17]
Combate
Por parte da sociedade civil, instituições como a Transparência Brasil fazem o seu papel de denunciar e combater as manifestações de corrupção.[18]
Um outro instrumento eficaz no combate à corrupção é a transparência (prestação pública de contas dos atos administrativos). Conforme indica o economista Marcos Fernandes da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, "para combater a corrupção, é preciso ter políticas de longo prazo, preventivas, é preciso fazer uma reforma administrativa(...). Disseminar a bolsa eletrônica de compras, informatizar os processos de gestão, permitir que o cidadão fiscalize a execução orçamentária on-line".[18]
Segundo o relatório anual Assuntos de Governança, publicado desde 1996 pelo Banco Mundial, há uma curva ascendente no índice que mede a eficiência no combate à corrupção no Brasil. O índice, que avalia 212 países e territórios, registra subida descontínua da situação brasileira desde 2003, tendo atingido seu pior nível em 2006, quando atingiu a marca de 47,1 numa escala de 0 a 100 (sendo 100 a avaliação mais positiva). Mesmo se comparado a outros países da América Latina, o Brasil ficou numa posição desconfortável: Chile, Costa Rica e Uruguai obtiveram nota 89,8.[19] O índice do Banco Mundial mede a percepção dominante entre ONGs e agências internacionais de análise de risco, sobre a corrupção vigente num determinado país[20] . Por isso alguns questionam a influência no índice de uma maior atuação fiscalizadora da imprensa e dos órgãos policiais, em especial a Polícia Federal, que desde 2003 realizou mais de 300 operações.[21]
De fato, conforme asseverou em 2014 o cientista político Antônio Lassance, apenas em 2003, a partir da definição das competências da Controladoria Geral da União (criada em 2001), pode-se falar em efetivo combate à corrupção no Brasil.[22] O número de servidores públicos demitidos por corrupção entre 2003 e 2013 subiu de 268 (2003) para 528 (2013),[23] e somente em 2013 foram realizadas 296 operações pela Polícia Federal[24] (contra 16 em 2003).[25]
Impunidade
Um dos principais problemas que dificultam o combate à corrupção é a cultura de impunidade ainda vigente no país, apontada inclusive pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU em maio de 2009.[26] A justiça é morosa, e aqueles que podem pagar bons advogados dificilmente passam muito tempo na cadeia ou mesmo são punidos.[27] Além disso, o fato de os políticos gozarem de direitos como o foro privilegiado e serem julgados de maneira diferente da do cidadão comum também contribui para a impunidade.[28] Segundo o advogado e político brasileiro Tarso Genro, "a demora no processo está vinculada à natureza contenciosa, que assegura direitos para as partes de moverem até o último recurso."[29] Da mesma forma manifestou-se o então presidente do STF Joaquim Barbosa, em discurso feito na Costa Rica em maio de 2013. Segundo Barbosa, uma das causas da impunidade no Brasil seria o foro privilegiado para autoridades.
Defensores do foro privilegiado, todavia, alegam que sua extinção poderia tornar ainda mais morosa a tramitação de processos judiciais contra autoridades, e influências políticas de todo tipo sobre juízes de primeira instância. Segundo Cláudio Weber Abramo, da ONG Transparência Brasil, que classifica o judiciário brasileiro como o "pior do mundo", a Ação Penal 470 (mais conhecida como "Mensalão") poderia levar até 60 anos para chegar à decisão final, se os réus interpusessem todos os recursos possíveis previstos pela legislação. O raciocínio também pode ser aplicado na análise da ação penal denominada "mensalão tucano" (e que precedeu o "mensalão petista"), onde os implicados foram beneficiados pelo desmembramento do processo e seu retorno para a primeira instância. Segundo a subprocuradora Deborah Duprat, "nunca sabemos se esse julgamento um dia chegará ao fim".
Em estudo divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), foi revelado que entre 1988 e 2007, isto é, um período de dezoito anos, nenhum agente político foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Durante este tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou apenas cinco autoridades. Esta situação começaria a mudar em 2013, quando 12 condenados na Ação Penal 470 foram levados à prisão sob variadas acusações de suborno e corrupção. Todavia, após ter sido transformado num espetáculo midiático, o "julgamento do Mensalão" passou a ser contestado, inclusive por importantes personalidades do mundo jurídico brasileiro, que enxergaram nele sinais de um julgamento de exceção (ou pelo menos de um erro judiciário). Prova disto teria sido a devolução do "mensalão tucano" para a primeira instância, em março de 2014.
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