OS PÁRIAS DA
SOCIEDADE
Victor Hugo - Foto
Internet
Em toda
parte os párias andam a sós. São os miseráveis que o mundo venceu e tomou-lhes
as oportunidades de sobrevivência. Reúnem-se em maltas de criminosos e
farândolas de tristes; assustadiços, fazem-se agressivos, no país do
esquecimento onde estabelecem morada. São os que tiveram negado o direito de
viver, conquanto sejam os frutos amargos da árvore da sociedade
malsã.
Os párias não têm nomes, usam apenas uma designação a que se
acostumaram a responder. Sua família são os encontros fortuitos, seus amores a
aventura amarga, suas paisagens as sombras das pontes, as margens dos rios, os
pântanos e as palafitas, os morros e as favelas, donde espiam, filosofando com o
cinismo da miséria, os outros...
Mas, esses são os párias econômicos, os abandonados
sociais.
Os outros, os párias de luxo, esses
brilham na ilusão e se refestelam no conforto em que amolentam o caráter, já
debilitado, e esfrangalham as esperanças frouxas dos outros párias,
tomando-lhes, ou, para ser exato, roubando-lhes os direitos humanos que também
deveriam ter, mas não têm. Aqueles, os párias por falta de dinheiro e família,
são chamados “chagas sociais”, mas os outros, os que fulguram em manchetes de
jornais, não têm epíteto, porque não há substitutivo para a expressão câncer moral.
Onde estes últimos estão, são eles que têm a miséria e fomentam-na,
proclamam acusações contra a impiedade e são os responsáveis pela criminalidade
de vário porte, enjaulando nas próprias garras a justiça que os não alcança nos
crimes violentos que praticam com as mãos enluvadas; são os que se utilizam das
leis em falência para cercear a liberdade daqueles que já são prisioneiros de si
mesmos, mas paredes sujas da infelicidade, e trancafiá-los nos cárceres onde
colocam guardas armados, fazendo que os carcereiros, que os espionam e
sobrecarregam de injúrias, não passem, afinal, de prisioneiros que tomam conta
de outros prisioneiros.
Muito maior do que se pensa é a legião dos párias.
Enxameiam nas vielas sórdidas das cidades e nos casebres das vilas ao
abandono, inundando, também, os palácios e os apartamentos onde vivem os homens
de alto coturno, em cujas existências a degradação fez morada, e de onde a
vergonha, por não suportar o assédio da imundície
moral, foi expulsa, enxovalhada, a pedradas de ironias e desdém... Fugindo de si
mesmos, são incapazes de fitar-se no espelho da consciência, esses párias do
poder temporal, que mergulham nas drogas alucinantes para sonhar o pesadelo da
mentira que os asfixia, empedernindo-lhes os sentimentos e vencendo neles as
mínimas expressões de humanidade.
Há porém, os párias em redenção.
Sofrem e choram, embrulhados no manto da dor e da soledade,
expurgando-se, para galgar a montanha da sublimação, após a demorada marcha pelo
charco das paixões em superação. Párias pela ausência de luz, que somos quase
todos!
A
maioria desses párias atua rebocando-se nas misérias sociais e morais em que se
abastardam cada vez mais, aprofundando feridas que só o escoar dos séculos
pungentes poderá cicatrizar. Outros, porém, sorvem as fezes da aflição
corretiva, para retornar aos ninhos
da luz donde se evadiram entorpecidos pela loucura
do descuido, fugindo às Leis do Divino
Estatuto. Impossibilitados de crescer pelo método da razão que conduz,
marcham empós da libertação na galé da carne, impedidos de piorar a própria
situação.
Ninguém alcança o Reino do
Céus senão após o pagamento da dívida, em totalidade de resgate. Mas,
ninguém se desata da mãe-Terra sem reequilibrá-la nas leis de harmonia mediante
as quais ela também progride. Todo infrator, que a desorganiza, imanta-se-lhe no
seio e vincula-se-lhe na constrição evolutiva de repetir o trabalho redentor até
que ela se refaça dos atentados, voltando a governá-la a ordem, em ritmo de
equilíbrio.
Os párias em redenção sublevam-se, às
vezes, mas, aves impossibilitadas de voar, vigiadas pelo falcão do sofrimento,
que as espia com agudos olhos, arrastam-se na ascensão e só a pouco e pouco
galgam os alcantis donde um dia poderão desprender-se, na direção do infinito
azul do Cosmo.
(Espírito
de Victor Hugo - Médium: Divaldo P. Franco - Obra: Párias em Redenção)
Nenhum comentário:
Postar um comentário