Gustavo Ungaro
A sucessão de escândalos com dinheiro público que
drenam recursos escassos, decorrentes da contribuição de todos, desviados de
políticas públicas para a satisfação de interesses privados escusos, gera
indignação popular.
A atestar a inaceitável dimensão da corrupção basta
conferir o mais recente indicador da Transparência Internacional, no qual o
Brasil ocupa desconfortável posição, apesar de estar entre as 10 maiores
economias mundiais, em claro descompasso entre o protagonismo econômico nacional
e o descalabro ético.
Além do gravíssimo caso nos altos escalões, conhecido
como mensalão, surge agora episódio danoso ainda maior, cujo prejuízo ao erário
já se estima na casa dos bilhões de reais, a afetar a maior estatal brasileira,
situação confessada em delações premiadas e evidenciada pela prisão de
ex-diretores e de executivos de grandes empresas privadas, inclusive ensejando
abertura de investigações e aplicação de multas no exterior. Vergonha
nacional.
De outra perspectiva, a Constituição de 1988, além de
ampliar a proteção aos direitos fundamentais e modelar o Estado Democrático de
Direito, reforçou temas e diretrizes essenciais para uma organização estatal
condizente com os postulados republicanos, dos quais vale realçar a promoção da
transparência e a valorização do controle da atividade administrativa,
estipulando um duplo mecanismo fiscalizatório do uso dos recursos públicos, com
uma dimensão externa e outra interna.
A transparência na gestão pública foi intensificada pelo
acréscimo de novas leis, como a de responsabilidade fiscal, a de transparência e
a de acesso à informação, normas que enfrentam resistências burocráticas
calcadas na cultura do autoritarismo, do segredo e da irresponsabilidade.
O combate à corrupção também contou com regras
adicionais, a exemplo da que sanciona os atos de improbidade administrativa, de
1992, e a mais recente, de 2013, a chamada lei anticorrupção ou da empresa
limpa, a estabelecer procedimento punitivo de pessoas jurídicas por ilícitos
praticados em detrimento do patrimônio coletivo.
Ainda que possa comportar críticas pontuais de juristas,
a inovação legislativa ataca a prevalência da impunidade e cumpre convenções
internacionais em vigor.
Constata-se, ainda, sensível aperfeiçoamento
institucional, perceptível no campo do controle externo por meio do maior rigor
na atuação dos Tribunais de Contas, do reconhecimento do Ministério Público, da
atuação independente do Poder Judiciário e da crescente articulação da sociedade
civil e no âmbito do autocontrole da Administração.
Isso acontece graças ao fortalecimento dos órgãos
centrais de controle de todo o país, reunidos no Conselho Nacional de Controle
Interno (CONACI), bastando lembrar da trajetória ascendente da CGU (Corregedoria
Geral da União), que passou a integrar a Presidência da República em 2001, sendo
seu titular ministro de Estado, estruturalmente ampliada em 2002, por meio do
decreto nº 4.177, que lhe transferiu a Secretaria Federal de Controle Interno e
a Comissão de Coordenação de Controle Interno.
Tendo assumido a denominação de Controladoria em 2003, a
CGU chega aos dias atuais com resultados expressivos no zelo pela legalidade e
na responsabilização por condutas indevidas.
Eis o paradoxo da atual quadra histórica brasileira: à
elevada percepção da corrupção, com multiplicação de casos graves,
contrapõem-se, felizmente, avanços normativos e institucionais, sempre no marco
democrático, voltados a enfrentar as práticas ilícitas.
Por certo que aumentar a possibilidade de monitoramento e
exposição da atuação governamental, com mais transparência, e fortalecer o
controle interno, externo, social e difuso sobre a administração, evitando-se
irregularidades e afastando a impunidade, muito representam em termos de redução
das oportunidades para a corrupção, urgente prioridade nacional.
GUSTAVO UNGARO é mestre em direito pela
USP, presidente do Conselho Nacional de Controle Interno e da Corregedoria Geral
da Administração do Estado de São Paulo e autor de "Responsabilidade do Estado e
Direitos Humanos" (Saraiva, 2012).
Fonte: Folha de São Paulo (05.01.205)
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