Nenhuma obra humana pode ser grande e duradoura se não se inspirar, na teoria e na prática, em seus princípios e em suas explicações, nas leis eternas do Universo. Tudo o que é concebido e edificado fora das leis superiores se funda na areia e desmorona.
A origem de todos os nossos males está em nossa falta de saber e em nossa inferioridade moral. Toda a sociedade permanecerá débil, impotente e dividida durante todo o tempo em que a desconfiança, a dúvida, o egoísmo, a inveja e o ódio a dominarem. Não se transforma uma sociedade por meio de leis. As leis e as instituições nada são sem os costumes, sem as crenças elevadas. Quaisquer que sejam a forma política e a legislação de um povo, se ele possui bons costumes e fortes convicções, será sempre mais feliz e poderoso do que outro povo de moralidade inferior.
Sendo uma sociedade a resultante das forças individuais, boas ou más, para se melhorar a forma dessa sociedade é preciso agir primeiro sobre a inteligência e sobre a consciência dos indivíduos.
Os espíritos de escol professam o Niilismo metafísico, e a massa humana, o povo, sem crenças, sem princípios fixos, está entregue a homens que lhe exploram as paixões e especulam com suas ambições.
A educação, sabe-se, é o mais poderoso fator do progresso, pois contém em gérmen todo o futuro. Mas, para ser completa, deve inspirar-se no estudo da vida sob suas duas formas alternantes, visível e invisível, em sua plenitude, em sua evolução ascendente para os cimos da natureza e do pensamento.
A ciência moderna analisou o mundo exterior; suas penetrações no Universo objetivo são profundas; isso será sua honra e sua glória; mas nada sabe ainda do universo invisível e do mundo interior. É esse o império ilimitado que lhe resta conquistar. Saber por que laços o homem se liga ao conjunto, descer às sinuosidades misteriosas do ser, onde a sombra e a luz se misturam, como na caverna de Plutão, percorrer-lhe os labirintos, os redutos secretos, auscultar o eu normal e o eu profundo, a consciência e a subconsciência; não há estudo mais necessário. Enquanto as Escolas e as Academias não o tiverem introduzido em seus programas, nada terão feito pela educação definitiva da Humanidade.
Fé do passado, ciências, filosofias, religiões, iluminai-vos com uma chama nova; sacudi vossos velhos sudários e as cinzas que os cobrem. Escutai as vozes reveladoras do túmulo; elas nos trazem uma renovação do pensamento com os segredos do Além, que o homem tem necessidade de conhecer para melhor viver, melhor agir e melhor morrer!
O Espiritualismo moderno dirige-se principalmente às almas desenvolvidas, aos espíritos livres e emancipados, que querem por si mesmos achar a solução dos grandes problemas e a fórmula do seu Credo. Oferece-lhes uma concepção, uma interpretação das verdades e das leis universais baseada na experiência, na razão e no ensino dos Espíritos. Acrescente a isso a revelação dos deveres e das responsabilidades, única condição que dá base sólida ao nosso instinto de justiça; depois, com a força moral, as satisfações do coração, a alegria de tornar a encontrar, pelo menos com o pensamento, algumas vezes até com a forma, os seres amados que julgávamos perdidos. À prova da sua sobrevivência junta-se a certeza de irmos ter com eles e com eles reviver vidas inumeráveis, vidas de ascensão, de felicidade ou de progresso.
Dia virá, em que todos os pequenos sistemas, acanhados e envelhecidos, fundir-se-ão numa vasta síntese, abrangendo todos os reinos da ideia. Ciências, filosofias, religiões, divididas hoje, reunir-se-ão na luz e será então a vida, o esplendor do espírito, o reinado do Conhecimento.
O Espiritismo não dogmatiza; não é uma seita nem uma ortodoxia. É uma filosofia viva, patente a todos os espíritos livres, e que progride por evolução. Não faz imposições de ordem alguma; propõe, e o que propõe apoia-se em fatos de experiência e provas morais; não exclui nenhuma das outras crenças, mas se eleva acima delas e abraça-as numa fórmula mais vasta, numa expressão mais elevada e extensa da verdade.
Em geral, a unidade de doutrina é obtida unicamente à custa da submissão cega e passiva a um conjunto de princípios, de fórmulas fixadas em moldes inflexíveis. É a petrificação do pensamento, o divórcio da Religião e da Ciência, a qual não pode passar sem liberdade e movimento.
Esta imobilidade, esta inflexibilidade dos dogmas priva a Religião, que a si mesma as impõe, de todos os benefícios do movimento social e da evolução do pensamento. Considerando-se como a única crença boa e verdadeira, chega a ponto de proscrever tudo o que está fora dela e empareda-se assim numa tumba para dentro da qual quisera arrastar consigo a vida intelectual e o gênio das raças humanas.
O que o Espiritismo mais toma a peito é evitar as funestas consequências da ortodoxia. A sua revelação é uma exposição livre e sincera de doutrinas, que nada têm de imutáveis, mas que constituem um novo estádio no caminho da Verdade Eterna e Infinita. Cada um tem o direito de analisar-lhe os princípios, que apenas são sancionados pela consciência e pela razão. Mas, adotando-os, deve cada um conformar com eles a sua vida e cumprir as obrigações que deles derivam. Quem a eles se esquiva não pode ser considerado como adepto verdadeiro.
Ó alma humana! torna a descer à Terra, recolhe-te; vira as páginas do grande livro aberto a todos os olhares; lê, nas camadas do solo em que pisas, a história da lenta formação dos mundos, a ação das forças imensas preparando o globo para a vida das sociedades.
Depois, escuta. Escuta as harmonias da Natureza, os ruídos misteriosos das florestas, os ecos dos montes e dos vales, o hino que a torrente murmura no silêncio da noite. Escuta a grande voz do mar! Por toda parte retine o cântico dos seres e das coisas, a vida ruidosa, o queixume das Almas que sofrem ainda, qual se permanecesse aqui, e fazem esforços para se libertar da ganga material que as estreita.
A floresta estende até ao horizonte longínquo suas massas de verdura que estremecem sob a brisa e ondulam, de colina em colina. Através das espessas ramas, a luz se escoa em louras estrias sobre os troncos das árvores e sobre os musgos; o sopro da brisa folga nas ramagens. O outono junta a esses prestígios a simpatia das cores, desde o verde amarelado até o vermelho rubro e o ouro puro; matiza e cresta as moitas; amarela de ocre os castanheiros, de púrpuras as faias; aformoseia as urzes róseas das clareiras. Embrenhemo-nos sob a folhagem. À medida que avançamos, a floresta nos envolve com seus eflúvios e seu mistério. Aromas fecundos sobem do solo; as plantas exalam sutil perfume. Poderoso magnetismo se desprende das árvores gigantescas e nos penetra e nos inebria. Mais longe, raios dourados penetram em uma clareira e fazem brilhar os troncos das bétulas quais se fossem as colunatas de um templo. Mais longe ainda, bosques sombrios aparecem, cortados em linha reta por uma aleia que alonga, a perder de vista, suas arcadas de verdura, semelhantes a abóbadas de catedral. Por toda parte, abrem-se refúgios cheios de sombra e de silêncio, solidões profundas que inspiram uma espécie de emoção. Caminhamos aí sob espessas trevas, crivadas de gotas de sol.
Aqui, uma faia venerável arredonda no flanco de um cabeço seus folhudos zimbórios. Ali, são os carvalhos que inclinam sobre o espelho de uma lagoa suas espessas ramagens. Uma árvore secular, patriarca dos bosques, respeitada pelo machado, e que três ou quatro homens não poderiam abraçar, eleva-se isolada, alta qual uma igreja. O raio a tem visitado várias vezes, conseguindo, apenas, quebrar os seus galhos, deixando-a sempre de pé, altiva e protetora. Seu pé intumesce de raízes monstruosas, alcatifadas de musgos; coleópteros, semelhantes a pedras preciosas, correm sobre sua rugosa casca.
Em triste solidão, diversos pinheiros expandem seus fustes avermelhados e seus galhos torcidos em forma de lira. Será um capricho da Natureza? O pinheiro é a árvore musical por excelência. Suas agulhas finas e maleáveis balançam ao vento, cheias de carícias e cochichos.
Como é bom perambular sob a sombra silenciosa e comovente dos grandes bosques, ao longo do límpido regato e dos apagados trilhos traçados pelos cabritos! Como é agradável estendermo-nos sobre o veludo das alfombras ou sobre o tapete dos fetos, na base de qualquer rochedo granítico, para seguir o carreiro dos escaravelhos dourados sobre as ervas, das lagartixas sobre a pedra, e prestar ouvidos aos alegres trinados dos passarinhos! Um mundo invisível se agita e freme em redor: concertos dos infinitamente pequenos acalentando o repouso da terra; insetos, em legiões, fazem sua ronda a um raio de luz, ao mesmo tempo em que no cimo de um álamo a toutinegra se externa em garganteios de pérolas. Aqui, tudo é gozo de viver e metamorfose fecunda! No seio de um ramalhete de árvores, a fonte jorra entre os rochedos; ela se espreguiça sobre um leito, de calhaus, entre florinhas e campânulas, hortelãs bravas e salvas. Do sulco esculpido por suas águas, aonde vêm beber os passarinhos, a onde cristalina corre gota a gota e murmura docemente. Um grande pinheiro sombreia e protege a pequenina concha. O vento agita suas agulhas, enquanto a fonte murmura sua cantilena. Um raio de sol, deslizando pela ramagem, vem pôr mil reflexos faiscantes sobre a toalha límpida. No ar, libélulas dançam e folgam; bonitas moscas multicores zumbem ao cálice das flores. Na paisagem tranquila, a água corrente e murmurante é um símbolo de nossa vida, que surge nas profundezas obscuras do passado e foge, sem nunca parar, para o oceano dos destinos, aonde Deus a conduz para tarefas sempre mais altas, sempre novas. Pequena fonte, pequeno regato, amigo dos filósofos e dos pensadores, vós me falais da outra margem, para a qual eu me encaminho em cada segundo, e me recordais que tudo, em volta dos seres, é lição, ensinamento para quem sabe ver, auscultar e compreender a linguagem desses seres e de todas as coisas!
Mas, de repente, o vento sul irrompe; sopro poderoso passa sobre a floresta, que vibra qual um órgão imenso. Semelhante a uma onda de esmeraldas, o grande fluxo vegetal intumesce pouco a pouco, ondula e sussurra. Um coração invisível anima a solidão feraz. Os troncos gigantescos se forcem em longos gemidos. Clamores sobem das touceiras; dir-se-ia o rodar de carros ou de exércitos que se entrechocam.
O carreiro ganha um planalto e serpenteia através de um bosque de castanheiros. Estas árvores centenares tremem ao vento. Inclinando seus galhos pesadamente carregados, elas parecem dizer ao homem: Colhe meus frutos, nos quais destilei o suco de minha medula; guarda meus galhos mortos, que no inverno aquecerão teu lar. Toma, porém, não sejas ingrato nem indiferente, porque toda a Natureza trabalha para teu proveito. Não sejas ingrato, senão as provações, as rudes lições da adversidade virão fatalmente atingir teu coração, arrancar-te, cedo ou tarde, à tua indiferença, às tuas dúvidas, a teus erros e orientar teu pensamento para compreensão da grande Lei!
Imediatamente a impressão muda e se adoça. O vento se foi. A charneca sucedeu à floresta; os tojos, as alfazemas, as giestas fazem séquito à augusta assembleia dos bosques. Sobre uma elevação do solo, um alto monólito se levanta, no centro de um círculo de pedras, coberto de musgo, umas ainda de pé, outras jazendo na relva, contando a história das raças milenares, seus sonhos, suas tradições, suas crenças. O espetáculo dessas pedras enigmáticas nos reconduz ao abismo dos tempos. Daí se origina a melancolia das coisas desaparecidas, enquanto que, ao redor, a Natureza nos dá a sensação de mocidade eterna.
Nas encostas, vales se abrem, quebradas se aprofundam. Sob moitas bastas e odoríferas, puras, frescas, surgem fontes; seu murmúrio enche o vale. O dia declina. Através das gargantas, em uma chanfradura azulada, o Sol projeta reflexos de púrpura e ouro. Alvores de incêndios aparecem na orla dos bosques. Atrás, sob os fogos do poente, a grande floresta zimborial expande seus bosques gigantescos, seus maciços cerrados, todo o suntuoso e cativante vestuário de que o outono o adornou. Os raios oblíquos do Sol perpassam entre as colunatas e vão iluminar as solidões longínquas; fazem sobressair as folhagens multicores; uivos variados, ouros foscos, vermelhos brilhantes, cromos e lacas; tudo se ilumina, tudo flameja em uma espécie de apoteose. Diante dessa fantástica decoração, que me fascina, na paz da tarde, meu pensamento se exalta e eleva, sobe à Casa de tantas maravilhas, para a glorificar!
(Léon Denis – Obra: O Grande Enigma)
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