segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Discurso da Amma sobre o tráfico humano e a escravidão moderna, proferido na Pontifícia Academia de Ciências, Cidade do Vaticano, 2 de dezembro de 2014

Amma se prostra diante de todos os presentes aqui hoje, que são a personificação do Am...or Divino e do Supremo Ser Superior.
Sua Santidade e honrados convidados,
Gostaria de começar expressando meu sincero reconhecimento por poder participar de um encontro histórico como esse. Gostaria de usar essa oportunidade para exprimir minha gratidão pela determinação e compromisso social de Sua Santidade e do Reitor da Pontifícia Academia de Ciências, o Respeitável Bispo Marcelo Sánchez Sorondo, que trabalhou intensamente para que essa reunião se tornasse realidade.
O tráfico humano é uma das piores calamidades que atormentam a sociedade - não apenas nesse século, mas desde o início dos tempos. Quanto mais tentamos erradicar a escravidão e o trabalho forçado, mas forte parece ressurgir. É como um espírito perverso que continua a nos assombrar. Como declarou Sua Santidade: "O tráfico humano é uma ferida aberta no corpo da sociedade contemporânea. É um crime contra a humanidade."
É dever de cada país implantar leis que enfrentem e sejam efetivas para erradicar esse crime extramente cruel e imoral e liberar e proteger vítimas de um destino desse tipo. É também a responsabilidade moral de cada cidadão comprometido com a justiça e com o bem-estar social. Entretanto, todos nós estamos conscientes da verdade amarga de que esse problema não pode ser resolvido facilmente, já que a ferida do tráfico humano existe há séculos e está extremamente arraigada.

O tráfico humano destrói em pedaços as vidas de crianças inocentes e indefesas, que abraçam a vida com um coração pleno de doces sonhos sobre o futuro, mas que são abandonadas, ao final, destruídas e rejeitadas.
Recebemos a bênção da vida pela compaixão de Deus. Essa vida deve ser vivida realizando boas ações como uma oferenda a Deus. Destruir a vida de outra pessoa é um uso inadequado do presente de Deus. Todos os seres vivos são instrumentos nas mãos do Divino.
A lei do tribunal de Deus é equanimidade ou dharma. Que todos nós possamos lutar para respeitar e seguir essa lei. O tráfico humano é contrário à justiça e à equanimidade.
Todos os líderes religiosos têm a capacidade de ajudar a ambos, os criminosos, aqueles que aprisionam os seres humanos iguais a eles na rede da escravidão humana, e também as vítimas que são apanhadas nesta rede. Ambos precisam ser orientados ao caminho correto. Os líderes religiosos devem estar preparados para enfrentar essa batalha e para preservar a justiça de Deus. Esta não é uma guerra para matar. Precisamos estar prontos para lutar em uma guerra para salvar os indefesos das garras de mentes demoníacas. Não queremos uma resposta surgida da vingança causada pelas diferenças observadas em casta, credo, religião etc. Ao contrário, precisamos desenvolver a empatia, percebendo a divindade em cada pessoa.

A mente humana cria muitas divisões em nome da religião, casta, idioma e fronteiras nacionais. Que nós possamos tentar criar uma ponte de amor puro universal para quebrar esses muros erguidos por nós mesmos. Qualquer coração endurecido se suavizará em amor. O amor pode espalhar a luz até mesmo através da mais densa escuridão. O amor abnegado transforma a mente de um demônio que nos escraviza em nosso próprio libertador. Aqueles que traficam e escravizam os outros são presas de uma mente negativa. Os líderes religiosos devem, sem segundas intenções, formular um plano de ação de reabilitação baseado no amor abnegado e na espiritualidade, a essência de todas as crenças.
Ficar calado diante da injustiça é inadmissível. Os líderes governamentais e políticos precisam criar leis sem evasão para que os culpados não possam escapar, e essas leis devem ser aplicadas rigidamente. Em muitos países, o governo e várias ONGs estão lutando contra o tráfico humano, mas não conseguem qualquer diminuição do poder e do tremendo ganho financeiro daqueles que negociam tratando os seres vivos como mero objeto a serem usados e, finalmente, descartados. O número de vítimas dessa atividade está crescendo rapidamente. Como as raízes de uma enorme árvore, as raízes dessa tragédia estão penetrando cada vez mais profundamente na sociedade. Se não conseguirmos fazer algo eficaz contra essa injustiça, que está acontecendo bem diante de nossos olhos, ela se tornará uma caricatura contra as futuras gerações.
As vítimas do tráfico humano perdem o autorrespeito e caem num poço de desespero. Com frequência são usados por terroristas como mulas no transporte de drogas, como terroristas suicidas e para muitas outras atividades ilegais. Alguns dos alimentos que comemos diariamente são produzidos por crianças forçadas a trabalhar dia e noite. Rins e outras partes do corpo de vítimas tornam-se uma mercadoria vendida no mercado. Quando essas vítimas não são mais úteis e desenvolvem problemas psicológicos em virtude do abuso ou quando contraem doenças incuráveis como a AIDS, são finalmente jogadas às ruas.

Pessoalmente, já vi e escutei milhares e milhares de exemplos de tráfico humano. Uma vez, uma mulher veio até mim e desatou a chorar. Ela disse: "Amma, tenho AIDS. Meu único desejo é ver minha filha antes de morrer. Por favor, ajude-me." Quando Amma perguntou o que havia acontecido, ela respondeu: "Quando eu tinha nove anos, trabalhava como empregada doméstica para uma família. Lá conheci um homem mais velho. Ele disse que poderia me dar um salário melhor e me prometeu muitos outros benefícios. Como minha família tinha muitos problemas de dinheiro, parti com ele. Quando chegamos ao novo local, vi que havia muitas outras meninas lá. Eu não tinha permissão para falar com elas. Finalmente, percebi que era um prostíbulo. Passei a ser estuprada regularmente. No início tinha raiva e também sentia culpa pelo que era forçada a fazer. Mas com o passar do tempo, perdi todo o sentido de dignidade e até comecei a ter prazer no meu trabalho."

"Depois de cinco anos, tive uma filha. Eles me deixaram amamentar o bebê durante o primeiro mês e depois, inesperadamente, tiraram-na de mim. Após mais alguns anos, fui diagnosticada com HIV. Eles pararam de me deixar ver minha filha. Quando fiquei realmente doente, disseram que iriam me levar a um hospital, mas, ao contrário, me abandonaram. Implorei para me deixarem ver minha filha só mais uma vez, mas nunca concordaram. Nem mesmo me levaram de volta ao prostíbulo. Todos aqueles a quem procurei para obter ajuda trataram-me com repugnância e aversão. A única coisa que não fizeram foi jogar pedras em mim. Todas as portas se fecharam. Não posso mais viver neste mundo. Quero apenas ver minha filha mais uma vez antes de morrer. Será que eles injetarão hormônios nela para que pareça mais velha, e a usarão como fizeram comigo e, no final, a jogarão na rua?”
Ao escutar a tocante história dessa mulher, enviei algumas pessoas para tentar encontrar a filha dela e foi uma tarefa difícil.

Algumas outras mulheres também contaram suas horripilantes histórias à Amma: "Um homem costumava nos visitar regularmente. Ele nos ajudava com tudo o que era preciso e nos sentíamos muito confortáveis com ele. Depois de um tempo, ele se ofereceu para levar nossas filhas ao exterior para trabalhar na empresa de um de seus amigos. Ele nos prometeu enviar-nos grandes somas de dinheiro a cada mês. Deu a cada uma de nós mil rúpias como um pagamento adiantado. Levou nossas filhas com ele, e, desde então, nunca mais soubemos dele ou de nossas filhas. Não temos certeza onde estão, mas escutamos dizer que foram levadas a um prostíbulo. Quando as pessoas foram procurar esse local, foram informadas que as meninas já haviam sido contrabandeadas de lá." Ao contar isso, elas romperam em lágrimas.

Hoje, o valor de todas as coisas aumenta. Os homens vendem seu esperma e as mulheres seus óvulos por uma boa soma, mas, ironicamente, em muitos países, uma criança pode ser comprada para prostituição ou trabalho forçado pela patética soma de 10 ou 20 dólares.

O tráfico humano é um problema complexo. A solução precisa ser multifacetada. Devemos abordar o aspecto do dharma, o aspecto irrefutável da pobreza, os aspectos legais etc. O serviço social e as campanhas de conscientização também têm um enorme papel neste processo. Considerando todos os aspectos, só seremos capazes de melhorar esta situação com uma abordagem colaborativa.
Apesar de tomar medicamentos regularmente, se um diabético continuar a comer alimentos doces, o nível de açúcar no sangue aumentará. O controle da dieta e a modificação do estilo de vida são mais importantes do que os medicamentos. No caso das crianças pobres sem acesso à educação apropriada pela falta de escolas, o que faz com que muitas crianças estudem apenas alguns poucos anos, apenas o dinheiro não melhorará a situação. Precisamos proporcionar à nova geração e também às vítimas do tráfico humano uma educação prática que as ajudará a criar uma maior conscientização. Precisamos despertar sua coragem latente e a autoconfiança para ajudá-las a se erguer. Elas precisam perceber que não são indefesas e vulneráveis como filhotes de gatos; são fortes e corajosos leões. Temos que ajudá-las a elevar seus pensamentos.

Há dois tipos de educação: a educação para sobreviver e educação para a vida. Quando estudamos em uma faculdade, lutando para nos tornarmos médico, advogado ou engenheiro - esta é a educação para sobreviver. Por outro lado, a educação para a vida requer uma compreensão dos princípios essenciais da espiritualidade. A verdadeira meta da educação não é criar pessoas que possam compreender apenas a linguagem das máquinas. O principal propósito da educação deve ser transmitir uma cultura do coração - uma cultura baseada em valores duradouros.

Quando os devotos da Amma vão aos vilarejos para oferecer treinamento vocacional, as mulheres também recebem educação sexual e formação para a melhoria de vida. Com isso, muitas jovens mulheres também podem se salvar das pessoas que tentam vendê-las para prostituição, algumas vezes até mesmo seus próprios pais. Amma tem conseguido ajudar 80 por cento das mulheres que foram forçadas à prostituição e que vieram até Ela para auxílio, mas os outros 20 por cento continuam com o mesmo tipo de vida. Elas não querem mudar, e a Amma também não tenta força-las a fazer coisa alguma.

O desejo é um tipo de fome. Mesmo se tivermos fome, não iremos devorar qualquer coisa que encontraremos. Se formos a um restaurante e pedirmos a comida, as pessoas em torno de nós também pedirão vários pratos diferentes. Poderíamos pensar: "Ah se eu tivesse pedido aquele prato." Mas mesmo se pensarmos assim, praticaremos um pouco de contenção. Da mesma forma, precisamos exercer uma contenção em tudo na vida, especialmente na luxúria.
Os valores espirituais precisam ser inculcados desde a tenra idade. Quando Amma era criança, a mãe dela dizia: "Nunca urinem no rio. O rio é a Divina Mãe." Quando nadávamos nos canais, embora a água estivesse fria, ao nos lembramos das palavras de nossa mãe, nós nos contínhamos. Quando desenvolvemos uma atitude de reverência diante de um rio, nunca iremos profaná-lo. Nosso respeito pelo rio nos ajudou a mantê-lo limpo, e um rio limpo, em última instância, beneficia a todos os que o usam. Não é importante debater se Deus existe ou não. O que importa é essa devoção e fé em Deus que nos ajuda a manter bons valores e a virtude na sociedade. Esses valores são o que dá equilíbrio à sociedade e a toda a criação.
As estradas são feitas para serem usadas por veículos, mas se dissermos: "Eu posso dirigir como quiser", poderemos causar um acidente. Assim como há regras de trânsito, há regras similares para tudo na vida. Os valores espirituais nos ajudam a viver de acordo com essas regras.

Muitas pessoas estão trabalhando duro para acabar com o trabalho infantil, mas apenas por proibi-lo não poderemos resolver o problema. Uma vez, um homem levou um menino de 10 anos à Amma. Ele queria que a Amma criasse o menino no asram e me contou a história sobre como o menino havia ficado órfão. O pai tinha morrido dois anos antes, e a irmã e a mãe foram trabalhar em uma fábrica de fósforos próximo à casa deles. A mãe foi diagnosticada com uma doença renal crônica e não conseguia trabalhar, pois estava acamada. Embora a irmã ganhasse muito pouco, era apenas o suficiente para pagar as despesas do mês. Depois de um tempo, foram aprovadas leis proibindo o trabalho infantil. O proprietário da fábrica foi preso e a empresa foi fechada. Todas as crianças que trabalhavam lá foram abandonadas. Atormentada pela perda da única fonte de renda da família, a mãe enviou o filho à escola de manhã e depois matou a ela e à filha envenenadas.
É justificável fechar esses tipos de fábricas, mas com frequência esquecemos-nos das famílias das crianças que dependem dessas rendas para viver. Ao tentar resolver um problema, se virmos apenas um aspecto e deixarmos de ver o outro, as pessoas que não têm ninguém a quem recorrer são aquelas que sofrerão as repercussões. Antes de promovermos drasticamente o fim do trabalho infantil e do tráfico humano, precisamos primeiro construir uma base para ajudar essas famílias a se tornarem autossuficientes e assegurar seu futuro.
A espiritualidade começa e culmina na compaixão. Se pudermos transformar a compaixão de uma simples palavra em um caminho de ação poderemos resolver noventa por cento dos problemas humanitários do mundo. Há dois tipos de pobreza no mundo. O primeiro tipo deve-se à falta de comida, roupas e moradia. O segundo tipo é a pobreza de amor e compaixão. Precisamos primeiro enfrentar o segundo tipo de pobreza. Se tivermos amor e compaixão, serviremos e ajudaremos com todo o coração àqueles que não têm comida, roupas e casa.

Segundo a Bhagavad Gita, o Criador e a criação são um, assim como as ondas e o oceano são um e o mesmo. Embora possamos ver mil sóis refletidos em mil potes de água, há apenas um único sol. Da mesma forma, a consciência dentro de todos nós é a mesma. Assim como uma mão espontaneamente vai aliviar a outra mão quando há dor, que nós possamos consolar e apoiar aos outros como faríamos com nosso próprio Ser Superior.

As pessoas de todas as nações e religiões tornam-se vítimas dos efeitos devastadores da escravidão humana e experimentam um abuso e sofrimento extremos. A dor mental e física dessas pessoas não faz diferença entre idioma, raça ou cor da pele. Essas vítimas são apenas um único grupo de humanos, lutando contra as garras do incessante sofrimento e da opressão emocional.

 Há pomadas antibióticas que ajudam na cura das feridas externas.
 
Da mesma forma, há muitos tipos diferentes de medicamentos disponíveis para tratar enfermidades de nossos órgãos internos, mas há apenas um remédio que pode curar as feridas da nossa mente. Esse remédio é o amor puro. A fim de curar as feridas mentais e emocionais impostas às vítimas do tráfico humano, precisamos cuidar delas com amor desinteressado. Isso as levará à luz de uma vida livre, distantes da escuridão imposta forçosamente a elas no passado. Precisamos criar uma ampla força-tarefa de servidores sociais para executar esta missão sagrada. Apenas os líderes espirituais e religiosos podem reunir esse tipo de equipe.
Que a compaixão inerente a todos os seres vivos desperte. Que todos nós desenvolvamos o discernimento para amar e respeitar a vida e aqueles que vivem em torno de nós. Não somos ilhas isoladas, mas elos interconectados da mesma corrente da criação de Deus. Que nós possamos esquecer toda a dor e sofrimento do passado e perdoar todas as dores que sofremos. Que nós nos curvemos em reverência a tudo o que é bom no mundo e encontremos a felicidade eterna.
 


 
 

 

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