Mude sua Mente. Mude
o Mundo.
No último
dia 15 de maio, a Universidade de Wisconsin realizou o evento “Change
your Mind. Change the World.”, com muitos conferencistas
brilhantes, que conversaram durante todo o dia com Sua Santidade o Dalai Lama.
No
período da tarde, Richard Davidson, cientista reconhecido como uma das pessoas
mais influentes do mundo pela Revista Times, apresentou o que a ciência já
descobriu sobre o bem-estar. Sensacional! Esse trecho está legendado em
português.
Esta mesa foi moderada por Arianna Huffington, jornalista e editora-chefe do
Huffington Pots Midia Group. Sempre com intervenções brilhantes, emocionantes e
muito espirituosas, como no final desse trecho acima – se você não viu, vale a
pena voltar!
Mas gostaria de compartilhar o trecho da conversa de Matthieu Ricard com Sua
Santidade o Dalai Lama. Não vou nem comentar! Espero que vocês leiam, ou
assistam ao vídeo!
Este trecho também está legendado em português, mas transcrevi para que a
gente possa reler as partes que mais nos tocaram. E serão muitas!
Arianna Huffington
Apresento Matthieu Ricard, que por 40 anos tem estudado na região dos
Himalaias, como monge budista, fotógrafo, mas também como cientista, que obteve
seu PhD no Instituto Pasteur. É um homem que sente tão em casa quando está nas
montanhas dos Himalaias quanto no Fórum Mundial Econômico em Davos.
Antes de Matthieu Ricard começar a falar, Sua Santidade diz:
Eu acho que ele dedicou muitos anos a uma prática muito séria. Do ponto de
vista de prática, ele tem muito mais experiência do que eu. Realmente! Ele é
realmente um monge muito bom! Muito bom monge!
Matthieu Ricard:
Nesta
manhã, Sua Santidade, nosso amigo Lord Layard mencionou sobre a importância
subestimada da doença mental. Ele afirmou um número de 40% de incapacitação.
Isso
significa o número de dias, meses e anos em que você não consegue trabalhar,
não consegue funcionar na vida. Não é o número de mortes, mas de dias em que
não consegue funcionar.
Em 40% de
todos os dias das nossas vidas somos capazes de funcionar e isto está
relacionado à doença mental.
Por
doença mental ele quer dizer:
- depressão, 8%
- outros transtornos mentais como fobias, ansiedade, distúrbios pós-traumáticos, e alguns mais sérios como esquizofrenia, todos esses juntos somam 12%
- diferentes tipos de vícios, que também são problemas mentais: 8% das incapacitações vêm do alcoolismo; e 2% do uso de drogas
Comparado
a isso, se analisarmos o câncer, este representa apenas 2%. É claro que o
número de mortes devido ao câncer é muito maior do que devido ás doenças
mentais. Mas nos casos de câncer, as pessoas se curam, ou morrem; mas em geral,
não é uma doença que incapacita por muitos e muitos anos. Mesmo as doenças
cardíacas representam 5%.
Significa
que grande parte do que influencia negativamente a qualidade de vida se deve a
doenças mentais.
Claro que
algumas delas se devem a defeitos básicos nos nossos cérebros, como Alzheimer
conforme envelhecemos, que é como um enfraquecimento do nosso cérebro; ou
algumas formas de esquizofrenia e assim por diante. Mas muito tem a ver com o
funcionamento da mente, mentes não saudáveis.
A
depressão por exemplo, é claro, é um fenômeno complexo, que tem também a ver
com as substâncias químicas no cérebro. Mas tem muita relação com a forma com
que lidamos com o mundo.
Ruminamos
o passado o tempo todo, cheios de esperanças e expectativas, e medos, centrados
em nós mesmos, ” – o que será que vai acontecer”. E perdemos o significado da
vida, perdemos a faculdade de expressar e sentir amor.
Todos
esses são problemas mentais.
Apego,
que leva a diferentes tipos de vícios; em dado momento se torna mais sério, mas
começa com uma mente que perdeu seu equilíbrio. Se sentimos alguma coisa
prazerosa, queremos essa coisa, de novo, e de novo. Os neurocientistas dirão
que você começou a construir algo no seu cérebro que re refere apenas a um
“querer”; diferente daquilo que te dá prazer. Por fim, você não gosta mais, mas
você quer; e então está viciado. Isso é criado pela mente. Assim como é
construído pela mente, uma mente saudável também pode encontrar “remédios”.
Sabemos que a terapia cognitiva baseada na atenção plena, que combina as
técnicas de Aaron Beck com meditação, é uma das formas mais eficientes para
reduzir e prevenir a reincidência da depressão, em 30 a 40% dos casos; para pessoas
que tiveram 3 a 4 ou 2 a 3 episódios, é tão eficiente quanto medicamentos.
Então isso, de novo, é trabalhar com mentes saudáveis.
Mas nós
subestimamos demais o poder de transformação da mente: “isso é assim”, “eu sou
assim mesmo”. Dedicamos mais nossas expectativas e medos remediando condições
externas: “se tiver aquilo serei feliz”, ”se não tiver, não posso ser
feliz”, coisas assim.
É claro
que precisamos melhorar as condições externas deste mundo, especialmente
onde essas condições externas são terríveis – onde não há paz, onde não há
comida, onde não há saúde. Mas ainda assim, isso não significa que não temos
que cuidar para termos uma mente saudável.
Isso é o
que vimos em nossas pesquisas e o que muitos outros estão fazendo.
Então,
é claro que uma mente saudável é obviamente uma necessidade. Porque é com ela
que estamos lidando desde a manhã até a noite, quer gostemos ou não. Pode ser
nossa melhor companheira mas também pode ser nosso pior inimigo. A forma como
nossa mente funciona irá colorir todo o nosso mundo – o mundo que vivenciamos.
Então há
todas essas abordagens, desenvolvidas pelas ciências contemplativas, ciências
budistas e por muitas tradições Tratam de como desenvolver uma mente mais livre
dessas emoções destrutivas de apego, ódio, ciúme, orgulho, confusão mental; e
como aprimorar as habilidades, os fatores que levam a uma mente saudável e ao
bem-estar: bondade amorosa, compaixão, liberdade interna desses pensamentos
errantes, confiança interior, força interior e sobretudo, amor altruísta e
compaixão. Sabemos que a compaixão é o que dará a maior satisfação, para você
mesmo e também, obviamente para os outros.
Portanto,
a mente saudável está intimamente ligada com esse tipo de cuidado,
benevolência, altruísmo, amor, compaixão. Porque esse “eu, eu, eu” o dia todo é
uma condição muito angustiante para você, e também transforma a vida de todo
mundo em angústia. É uma relação perde-perde. Todo mundo perde.
A
compaixão é a condição de maior satisfação da mente, e é claro que também
estará fazendo os outros se sentirem felizes. É uma situação ganha-ganha.
E isso
pode ser treinado. Nossas pesquisas em colaboração demonstraram isso.
Mas como
podemos levar isso a um âmbito mas amplo, para as questões levantadas sobre a
saúde pública, por exemplo. Bem… se a mente de cada indivíduo for saudável,
teremos uma sociedade saudável. Se as pessoas colaborarem mais do que
competirem; se houver menos consumismo e mais contentamento; se pudermos
encontrar uma simplicidade voluntária, mas simplesmente termos uma vida mais
simples e mais feliz. Não é se privar das boas coisas, o que seria
estúpido, mas simplesmente não ser constantemente atormentado por querer
mais: quando você tem um, você quer dois e isso não tem fim.
Como
podemos trazer isso para questões mais amplas como meio ambiente, e governança
global.
Bem… se
observarmos os maiores desafios que estamos enfrentando hoje, veremos que estão
basicamente fundamentados em três escalas de tempo:
Primeiro,
a economia rápida – tudo anda rápido. O mercado de ações sobe e desce em uma
semana e ninguém sabe porquê. Algumas pessoas pensam que sabem. Muito rápido! E
então, se a economia não vai bem, nada funciona. Essa é uma realidade, que
precisamos cuidar.
Mas, é
claro, que há a qualidade de vida: como você se sente, como se sente na sua
família, a qualidade de vida no seu local de trabalho, na sociedade. O tempo de
toda a sua vida – o florescimento, o florescer humano. Felicidade nacional
bruta.
Eu estava
há alguns dias com Muhammad Yunus, e ele disse, se nos tornarmos robôs de fazer
dinheiro, estaremos reduzindo s qualidades maravilhosas do ser humano a essa
única dimensão. E isso não vale a pena.
E Gandhi
também disse, “sempre haverá o suficiente para a necessidade de todos, mas não
o suficiente para a ganância de todos, que não tem limites.”
Então,
temos que cuidar dessa segunda dimensão de escala de tempo, que é mais longa –
50 a 100 anos.
E há a
seguir uma mais longa, que é o meio ambiente. Agora está se tornando mais
curta, pela urgência. Mas antes era de 10 mil anos, 1 milhão de anos, um
período mais longo.
É normal
que o economista não possa pensar em termos de 100 anos. Porque na sua conta,
no final do ano, isso não importa!
Há um
comediante americano famoso chamado Grocho Marx. Sou marxista mas este é o
Grocho… Ele disse: “porque eu deveria me preocupar com as gerações futuras? O
que elas fizeram por mim?” É mais ou menos assim que os economistas estão
pensando – “isso não importa pra mim”.
É por
isso, que o único conceito que nos permite abarcar essas três escalas de tempo:
a economia de agora, a qualidade de vida e a felicidade, e as gerações futuras
é a preocupação com os outros, o altruísmo. Essa é a única forma!
Porque
assim, tendo mais consideração com os outros, você não irá jogar, como se
estivesse num cassino, com os recursos de outras pessoas.
Tendo
mais consideração com os outros, você irá se assegurar de que a sociedade seja
harmoniosa.
Tendo
mais consideração com os outros, você não irá gostar de coisas que sabidamente
estão destruindo o planeta.
Isso é
altruísmo, amor, cuidado, compaixão. Está no coração da solução dos nossos
problemas. E se baseia na interdependência, na interconexão.
Martin
Luther King disse, “nós todos chegamos com botes diferentes mas agora estamos
todos no mesmo navio”. Isso é óbvio!
Assim
como o individualismo dentro de um grupo, na comunidade, não funciona bem, da
mesma forma, no âmbito das nações, se nos concentrarmos apenas no benefício de
uma única nação, então não poderemos resolver todos esses grandes problemas.
Não tem jeito! Está além do escopo de nações e interesses individuais. É por
isso que precisamos cuidar dessas coisas que concernem a todos nós. Nós todos
respiramos mais ou menos o mesmo ar. Se isso estiver em perigo,
deveríamos nos preocupar!
Isso nos
leva à questão de gerarmos mais altruísmo. É sensacional saber que isso é parte
da natureza humana e que pode ser cultivado.
Então
devemos ir em frente e fazer o nosso melhor. E acho que essa é a chave para
resolver esses problemas, cognitivamente, e também como seres humanos, nós
podemos mudar e devemos nos transformar em uma sociedade mais amorosa.
Arianna
Huffington:
Poderíamos
ficar aqui para sempre, se dependesse de mim!
Matthieu
também disse em outra ocasião, que se conseguíssemos atingir uma massa crítica
de pessoas que pensam nos outros, que operam a partir dos instintos altruístas
em vez da ganância puramente egoísta, então esse poderia ser um ponto de
partida para que todas estas questões que estamos abordando pudessem ter uma
solução.
Sua
Santidade vê essa massa crítica e esse ponto de partida no horizonte?
Sua
Santidade
Eu acho
que, pelo menos, neste século, se fizermos um esforço constante, com uma visão
clara, por meio da educação, eu acho possível, há uma possibilidade aí.
É por
isso que estamos trabalhando para introduzir a ética secular no sistema moderno
de educação, como parte do curriculum, desde o jardim da infância até a
universidade.
Eu sinto
que essa é a chave. Apenas explicações sobre o altruísmo não são suficientes.
Temos que
educar as pessoas sistematicamente.
Eu sempre
digo, que somos egoístas. Está certo! Mas o egoísmo deveria ser um egoísmo
sábio em vez de um egoísmo tolo. Em geral, nosso pensamento é egoísta, pensando
apenas em nós mesmos. Na verdade, estamos perdendo os amigos e perdendo muitas
coisas boas. Pensando mais no bem-estar dos outros seres, você acaba recebendo
o benefício máximo. Esse é o egoísmo sábio.
Mas,
novamente, não por ensinamentos ou bençãos, mas por meio da educação. Nós temos
essa habilidade de pensar sobre interesses de longo prazo, de curto prazo.
Eu acho
que por meio da educação, nós podemos mudar. Acho bem possível!
E de qualquer
forma, sendo possível ou não, certas coisas em certos níveis ou certos períodos
parecem impensáveis. Mas o tempo muda e outras realidades [surgem].
Eu acho
que agora pensamos mais em nossos mundos internos, em valores internos. As
circunstâncias criaram mais e mais problemas mentais. Na verdade, algumas
pessoas dizem que o mundo todo está sofrendo uma espécie de crise moral. É
verdade! Portanto, agora, as próprias circunstâncias estão nos mostrando.
O meio
ambiente também. A própria mãe natureza, o planeta mãe está nos mostrando.
Deveríamos tomar cuidados mais sérios com o planeta mãe.
Então, a
nova realidade nos força, e nós temos que pensar de forma mais ampla, mais
holística, de forma mais compassiva.
Isso
depende inteiramente da conscientização, da educação.
Agora,
acho que o problema é como introduzir essa ética no sistema educacional.
Todas as
religiões seguem mais ou menos uma mesma ética, mas como o Papa Bento XVI, “fé
e razão devem estar juntas”. É verdade, de fato. Mas em geral, se em alguma medida
nos basearmos em religião, isso dependerá de fé. Então, para as pessoas que têm
uma fé sincera, isso funcionará. Para outras pessoas pode ser difícil.
Agora, é
necessário que seja por meio da educação.
Demonstrar
preocupação com os outros seres é a melhor forma de atingir o seu próprio
bem-estar, incluindo seu bem-estar físico e o bem-estar de sua família.
Acho que
temos material científico suficiente para educar as pessoas. Esse é o único
jeito, a única esperança.
Dessa
forma, eu acho que há uma possibilidade de termos um mundo melhor. Um mundo
melhor significa um mundo mais compassivo, e então, certamente um mundo melhor.
Um mundo pacífico.
Isso é
responsabilidade de todo mundo, particularmente agora dos cientistas. Eu
frequentemente digo que os cientistas, no mundo moderno, são os verdadeiros
mestres, os verdadeiros gurus. É claro que a cooperação plena, entre cientistas
e educadores trabalhando juntos, e para prosseguir no trabalho, de tempos em
tempos, devem ter discussões sérias .
E
particularmente a universidade deve tomar essa iniciativa para mais discussões.
Então, pelo menos a geração atual de estudantes na universidade pode ter novas
idéias. E a geração deles poderá ser de pessoas responsáveis.
Arianna
Huffington então encerrou a sessão lindamente:
Eu sinto
muito por termos chegado ao final desta sessão, mas acho que falo em nome de
todos: nós realmente queremos fazer parte dessa massa crítica sobre a qual SS e
Matthieu Ricard falaram. De minha parte e em nome da mídia, posso dizer que
faremos o que for possível para acelerar a educação de todos.
Foram
feitos todos os agradecimentos e então, em meio aos aplausos, Sua Santidade
começou novamente a falar. Prepare-se!
Eu acho
que nas últimas décadas, com este tipo de trabalho (se dirigindo a Richard
Davidson e se referindo à colaboração da ciência), nós temos nos visto
regularmente para realizar este trabalho. Os resultados de hoje vêm do trabalho
de uma equipe – teamwork! Eu realmente agradeço!
Então, é
muito natural… No passado, na história da humanidade, todos esses grandes
mestres, primeiro, era uma única pessoa. Seus ensinamentos e suas explicações,
eram realistas e benéficos e cada vez mais pessoas se interessaram. Dessa
forma, difundiram os ensinamentos. Um grupo pequeno multiplicou para 100
pessoas, milhares de pessoas, cem mil pessoas, um milhão, cem milhões, um
bilhão.
Só há um
caminho de transformar a humanidade – mudar a forma de pensar da humanidade.
Então o estilo de vida irá mudar.
Este
século poderá ser um século extraordinário comparado ao meu século; o Século
XXI comparado ao Século XX poderá ser realmente extraordinário. O século
passado foi de derramamento de sangue, de violência.
Como
mencionei, este cérebro brilhante (apontando para a cabeça de Richard Davidson)
pode ser usado para a destruição. Os físicos nucleares, cérebros maravilhosos,
mas seu conhecimento ficou à disposição do ódio, da raiva. Acho que este século
não deve ser dessa forma.
Então,
vocês da platéia, não devem pensar que passaram alguns momentos aqui, ouvindo o
que essa pessoa disse, o que aquela pessoa disse. Não é isso! Pensem mais
seriamente. Cada um de vocês! E então, compartilhem com mais pessoas. Talvez
tenhamos aqui 1.000 pessoas. Compartilhem com, pelo menos, dez pessoas e isso
significará dez mil. E essas dez mil pessoas, com mais dez pessoas – e então,
teremos cem mil.
E é
assim! Todos temos a mesma responsabilidade e o mesmo potencial. Não devemos
pensar: “ah, eu sou apenas um”, “o problema é enorme, não posso fazer muita
coisa”. Você não deve pensar assim. A iniciativa precisa partir de cada
indivíduo. A paz, por exemplo, precisa começar com a paz interior individual. E
dessa forma, uma família pacífica, uma sociedade pacífica.
E quando
realmente tivermos desenvolvido uma sociedade pacífica, novas lideranças,
vindas desse tipo de sociedade serão mais sensatos. Esta sociedade está repleta
de competição, cheia de ganância, cheia de desconfiança. E então liderar também
é difícil, não é?
Não
podemos culpar esses líderes. Nós falhamos em criar uma sociedade saudável!
Então, a responsabilidade é nossa!
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