O Brasil está literalmente na lama. Na lama da corrupção, na lama da mentira, na lama do descaso. Acredito que nada acontece por um acaso. Na noite do dia 13 de novembro de 2015, Paris sofreu um ataque terrorista e o mundo todo parou para ver e ouvir. Jornais do mundo inteiro falando da tragédia francesa. Uma cena chama minha atenção: centenas, talvez milhares de parisienses, passando por um túnel que leva à saída do Stade de France, cantam o hino nacional. Antes mesmo que soubessem da dimensão dos ataques, que ainda ocorriam em outros pontos da cidade, esses cidadãos já cantavam o hino do país. Nas redes sociais, muitos brasileiros começaram, então, a comparar a tragédia que aconteceu em Paris com a tragédia que aconteceu na cidade de Mariana, em Minas Gerais.
Sem entrar no mérito da discussão, acredito que são tragédias igualmente terríveis, e ao mesmo tempo muito diferentes. Claro que o velho mundo está há anos-luz do Brasil. Lá cidadãos conhecem seus direitos e se alguma coisa está fora de ordem, sabem da força da voz do povo. Então eles vão para as ruas e protestam. Desta vez tiveram que ficar em casa por questão de segurança, mas logo veremos todos nas ruas, pedindo providências. Aqui, não. Protesto no Brasil (pelo menos as poucas que aconteceram ao longo deste ano) mais parece programa de domingo na praça com a família. Aqui assistimos sim, boquiabertos, a tragédia das cidades mineiras que aconteceu dia 5 de novembro, oito dias antes de Paris, mas ainda não nos manifestamos. Só estamos assistindo, vendo, ouvindo, lendo, escrevendo e assumindo posições de acordo com os acontecimentos, que não podem ser comparados, mas são igualmente terríveis.
Um soco no estômago ainda é pouco para descrever o que senti, quando vi a primeira imagem da cidade de Mariana coberta de lama e ouvi jornalistas anunciarem que logo as busca por sobreviventes seria iniciada. Então veio a pergunta: como vão buscar sobreviventes que foram soterrados? Não estou dizendo que seria em vão, não é isso. Ainda estão buscando e agora sabemos como. Os bombeiros estão fazendo furos na lama - que já deve estar endurecida depois de tanto dias - para que os cães farejadores possam fazer o trabalho de busca.
O Brasil está soterrado pela lama da displicência, da corrupção, da mentira, do descaso. O governo brasileiro em todas as suas instâncias está coberto de lama até o pescoço. A forma como o brasileiro contorna a crise política e econômica do país foi transformada em pauta para mostrar como o brasileiro é “criativo” e segue em frente apesar do desemprego, da inflação, das pedaladas do governo, da dívida interna e externa, do crescimento zero, de uma democracia simulada. Todo esse cenário político-econômico vergonhoso foi sobrepujado pela tragédia, que soterrou uma cidade que leva o nome de uma mulher e matou um rio chamado Doce.
Alguns dirão que a vida segue. Mas, a imagem da cidade soterrada lembra-me um quadro – óleo sobre tela, lama sobre tela. As pinceladas do pintor deixa claro que, debaixo dela, existem corpos que foram soterrados pela lama da displicência, do descaso, da corrupção e da mentira. Enquanto observo o quadro posso ouvir os gritos daqueles que estão soterrados, posso ver seus corpos endurecidos em posições que revelam pedidos de socorro (se é que houve tempo para isso), posso sentir o cheiro da tinta marrom que soterra a voz das vítimas.
E a nossa voz? A voz do povo brasileiro está calada pelo espanto ou por que estamos todos soterrados no silêncio da ignorância, do conveniente esquecimento? Ou por que temos de seguir em frente com nossas soluções “criativas”? Mais parece silêncio soterrado pela ignorância. Depois de informados pelos jornais, ainda boquiabertos, corremos para as redes sociais e nos envolvemos com outras tragédias. Algumas cotidianas, outras passageiras, muitas corruptas e outras tantas trágicas. Será que estamos sendo soterrados por tantas dessas que, quando acontece mais uma, quando a notícia de uma tragédia é "substituída" por outra, ficamos indiferentes como se já fizessem parte de nossas vidas e não há mais nada a fazer? Já não conseguimos mais observar o quadro, a lama sobre tela? Esperançosa, considerando as datas tão próximas dos acontecimentos, prefiro acreditar que o povo brasileiro é bastante "criativo" a ponto de aprender com o povo parisiense um novo modo de ver o mundo e que, mais do que boquiaberto diante de tanta violência, esteja com os olhos bem atentos para esse vale de lágrimas.
Elizabete Guimarães
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