quarta-feira, 1 de abril de 2020

Tom Trajano: “se a gente não der as mãos, não sobra nada”

Para o psicólogo clínico e psicoterapeuta Tom Trajano, um contexto de crise tem três palavras-chaves. A primeira é a aceitação, com a qual os indivíduos encaram a realidade. A segunda é a resiliência, que permite a reinvenção, o aprimoramento. Isso traz a gratidão, a terceira palavra. Aquele que estiver aberto a ressignificar, vai agradecer quando tudo isso passar, porque isso vai passar”, diz ele sobre o momento atual, com o mundo imerso numa pandemia. 
Em nível universal, Tom avalia que a crise da covid-19 suscita solidariedade: as “pessoas que refletirem, amadurecerem vão ver que não há outro caminho que não seja a solidariedade”. Também proximidade: “a dor nos iguala muito, é um chamado pra nos sentirmos muito semelhantes”. Assim, acredita, a humanidade sairá melhor disso. 
De Brejo Santo, no sul do Ceará, onde realiza atendimentos online durante o período de isolamento, ele concedeu entrevista ao vivo ao O Otimista pelo Instagram, respondendo também a perguntas dos espectadores, compartilhando sabedoria. “Sabedoria é quando a gente pega as informações e coloca na prática para o nosso bem e o bem comum”, diz ele.
O Otimista – A primeira pergunta é aquela que muitos estão se fazendo, é possível manter a sanidade nesse momento?
Tom Trajano – É possível. Em verdade, quando tudo está bem, é fácil dizer que está bem. É muito fácil, mas também é muito enganoso. Nós sabemos como verdadeiramente estamos em nível de sanidade, nos momentos mais difíceis, mais desafiadores. É aí que nós vamos saber a nossa estrutura interna. Dificuldades fazem parte da vida. Problemas, para uns, é um grande empecilho, um álibi para se vitimizar e jogar a responsabilidade naquilo que é externo. Para outros, os problemas são oportunidades de crescimento. Crises são oportunidades de crescimento. Todos nós somos chamados, a nos conhecermos mais e nos melhorarmos no aspecto interno, ou no externo, onde somos chamamos a contribuir com a coletividade.
O Otimista – Você segue atendendo online nesses dias de isolamento. Quais as principais dores das pessoas agora?  
Tom Trajano – A demanda maior realmente está sendo a crise. Costumo dizer que existe um fato e a dimensão de um fato. Prazer e sofrimento estão mais relacionados com a dimensão do que com o fato em si. Um contexto como esse a gente caracteriza como de luto, porque perdemos, por exemplo, nosso direito de ir e vir. Esse perder vai afetar muito a subjetividade de cada pessoa e a estrutura de cada pessoa. Se ela é mais estruturada ou menos estruturada vai refletir em tamanha desorganização, muita ou pouca. Quando tem problema, dificuldade, é natural que possa vir tristeza, preocupação. Mas se preocupação e tristeza se tornam desorganização, isso é revelador de que a estrutura da pessoa já não estava boa antes mesmo. Ela simplesmente vivia no automatismo, até que vem a crise e dá uma sacudida. Isso é em nível micro e macro, de indivíduo, mas também de instituição, de nação. Se revê tudo. Tem muitas lições que se pode tirar de tudo isso, mas se focar só no medo, na perda, você fica na não aceitação e, não aceitando, você fica paralisado, sofrido.
O Otimista – Você fala de luto e chacoalhada. São esses os dois caminhos que temos agora?  
Tom – Existem três palavras-chaves nesse contexto. Primeiro, é a aceitação. Precisamos aceitar, que seja a realidade da pandemia com todos os cuidados que devemos ter, bem como o cuidado com o outro. Na medida em que você aceita, você acessa o universo da segunda palavra, que é a resiliência, onde nós somos chamados a nos reinventar, sair do automatismo, um certo transe, onde o corpo está num lugar, mas a cabeça está em outro, gerando um processo ansiogênico, adoecedor, que se agudiza. Quando a pessoa aceita e acessa a resiliência, ela experimenta a gratidão. Aí ela vai ver que ela pode ressignificar tempo, relacionamentos, escolhas. Aquele que estiver aberto a ressignificar vai agradecer quando tudo isso passar, porque isso vai passar. 
O Otimista – Então, ainda que o momento seja desafiador é preciso valorizá-lo? 
Tom – Esse contexto é pródigo no sentido de nos chamar a viver o nosso presente, a aceitar o contexto e otimizá-lo. algumas pessoas caem na ilusão de dizer assim: “se minha casa fosse maior, eu teria mais tranquilidade”. Não é isso que eu vejo. Eu tenho oportunidade de conviver com pessoas da classe A e da classe E e, tanto numa como na outra, encontro pessoas felizes e infelizes. Esse chamado de resiliência é no sentido de valorizar o que a gente tem. O maior desafio nem é esse. O maior desafio é a pessoa se encontrar consigo. 
O Otimista – Essa chacoalhada radical na realidade também traz ansiedade… 
Tom – Primeiro é importante que se diga: ansiedade é uma reação psicofísica natural do ser humano. O problema é quando a ansiedade cresce muito. Para a ansiedade crescer muito o vetor que, a meu ver, é mais significativo é medo, o medo quando ele cresce muito, ele joga a ansiedade lá nas alturas, quando ansiedade sobe muito, o humor cai. Isso faz com que a pessoa possa, sem perceber, ter uma visão mais negativa, fica mais irritável. Ela tende a atribuir aquilo à condição externa ou às pessoas que estão em volta. Uma pessoa que já cultivava muitos medos no dia a dia, num momento como esse, o medo externo ativa os medos internos, hiperdimensionando. 
O Otimista – Como lidar com isso? 
Tom – A pessoa precisa identificar as razões dos seus medos. É recomendável um processo terapêutico. Mas se, por qualquer motivo você não faz, a recomendação primeira é a vivência plena, tentar deixar a mente onde o corpo está. Assim, na hora que algo gerar incômodo, você vai identificar e tomar a atitude correta. Se a gente fica com quatro telas abertas no mundo mental, a ciência mostra que cérebro não dá conta, apenas a velocidade é tão intensa que ele muda de foco numa fração de segundo muito pequena, gerando um desgaste cerebral. Se você quer enfrentar a ansiedade, precisa acalmar a mente para acalmar o coração. 
O Otimista – A humanidade vive um contexto muito particular e algumas pessoas precisam tomar decisões muito difíceis, sobre família, negócios, sociedade. Como fazer isso de forma mais consciente e, talvez, menos dolorosa?
Tom – Como tudo que acontece na Terra, tem o lado sombrio e tem o lado luz. O grande desafio é a gente jogar luz na sombra. Nesse contexto, somos chamados a ficar reclusos, a ir ao nosso mundo interior, mas também, mais do que nunca, pela falta de parâmetro, a reconhecer que precisamos uns dos outros. Nem sempre a gente está numa condição emocional estável, que é quando a gente procura alguém para debater. Tem divergência, é claro, mas é melhor que elas venham à tona do que ficarmos isolados, com a bandeira do certo e do errado. Numa situação com essa, se a gente não der as mãos, não sobra nada. Nunca foi tão necessária a sabedoria. Como eu defino sabedoria: quando a gente pega as informações e colocaa na prática para o nosso bem e o bem comum.
O Otimista – A humanidade vai sair disso melhor? 
Tom – Acredito que sim. Existe dor, mas existe muita gente se colocando disponível para ajudar. Aquelas pessoas que refletirem, amadurecerem vão ver que não há outro caminho que não seja a solidariedade. A dor nos iguala muito, é um chamado pra nos sentirmos muito semelhantes. Se a gente parar para pensar isso dá um choque no orgulho que às vezes muitos de nós sentimos, de sermos mais importantes que os outros. Isso é o chamado para a desilusão, que gera tristeza, dificuldade de aceitar. Mas tem uma coisa muito boa da desilusão, ela nos tira da ilusão, nos traz para a realidade. Só na realidade a gente pode fazer diferença. Então chega de rótulo, rótulo distancia, não aproxima. Nós precisamos de proximidade. 
O Otimista – Como aproveitar o momento para se reconectar com a família? Ou até lidar com os atritos? 
Tom – Acredito muito que a gente não vive com as pessoas que vive por acaso, temos algo a ensiná-las e a aprender com elas. Só que o processo de aprendizagem leva tempo e a nossa emergência interna faz com que a gente se torne muito exigente. A gente tende a reagir, colocar defeito, exclui. Isso precisa mudar, somos nós que precisamos mudar. Isso é também um chamado de aprendizado, precisamos aceitar essa família, valorizar as coisas boas que cada um tem. É o que a gente chama de autorresponsabilidade: antes de atribuir ao outro o mal estar, pensa por que você está dando poder ao outro de te desorganizar. Para a gente viver em casa de forma mais construtiva, o chamado é para que a gente possa olhar as pessoas. Interaja com qualidade.
O Otimista – Temos visto algumas pessoas reclamando da pressão vinda das redes sociais durante o isolamento, de que é preciso ser produtivo nesse momento. Tem mesmo?  
Tom – Toda vida que nós ouvimos o tem que, isso gera uma reatividade, nosso psiquismo tende a nos colocar num estado de tensão. Cada pessoa está sendo chamada, a meu ver, a encontrar uma forma mais saudável de lidar com essa realidade. Os cuidados, físicos, emocional, mental e espiritual, são cabíveis a todo momento, independente de estarmos de quarenta ou não, mas o ritmo, a intensidade tem que ser proporcional ao jeito próprio de cada pessoa. Nem tudo aquilo que traz prazer traz paz. Saudável é aquele que consegue fazer escolhas juntando prazer e paz.
O Otimista – O quanto vale a pena se forçar um pouquinho a determinadas coisas, a fazer exercício por exemplo?
Tom – Uma criança não para de brincar para estudar. Tem que ser um adulto que chega lá para dizer que está na hora de parar. Do mesmo jeito, a nossa criança interna pode não querer fazer atividade física. Quando estamos funcionando neste modo infantil, a gente pode se ver tentado a ficar só no prazer, mas aí precisa vir o nosso adulto interno nos chamando. (Com exercícios) nós geramos neurotransmissores, que nos dão um melhor estado de espírito, em nível endocrino, e condição de fazer as outras cosias. Tem dias que vale a pena forçar, mas com consciência, não como um custo, mas como um investimento.
Quero deixar uma mensagem antes de encerrar. Esse é momento de a gente mergulhar na nossa interioridade, quando a gente valoriza a gratidão, tudo aquilo que a gente vive, a gente acessa a abundância divina, sem perceber, vai ficando tudo mais fácil, as coisas acontece, então exercite a gratidão e a abundância, ajude aqueles que você possa ajudar de qualquer quer seja a forma. Faça a sua parte, nós podemos fazer um mundo melhor. Tem uma história que é muito legal, que é a dos porcos espinhos. Dizem que na era glacial os porcos espinhos, devido ao gelo, ficavam todos juntinhos para se proteger do frio. Mas como sempre acontece alguém muito sabido disse “ah, não dá certo não essa história de a gente ficar tudo junto porque a gente fica se espetando, acaba se ferindo e, em alguns a ferida é muito grande e morrem”. E se isolaram. Só que a medida em que se afastaram foram morrendo muito mais por causa da falta do calor que um passava para o outro. Enato vamos aprender com os porcos espinhos, por mais que haja as espertadas, estar juntos aí é uma oportunidade de não só sobreviver, mas viver com mais qualidade. 

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