sexta-feira, 10 de junho de 2016

OS PÁRIAS DA SOCIEDADE
Victor Hugo - Foto Internet

Em toda parte os párias andam a sós. São os miseráveis que o mundo venceu e tomou-lhes as oportunidades de sobrevivência. Reúnem-se em maltas de criminosos e farândolas de tristes; assustadiços, fazem-se agressivos, no país do esquecimento onde estabelecem morada. São os que tiveram negado o direito de viver, conquanto sejam os frutos amargos da árvore da sociedade malsã.

Os párias não têm nomes, usam apenas uma designação a que se acostumaram a responder. Sua família são os encontros fortuitos, seus amores a aventura amarga, suas paisagens as sombras das pontes, as margens dos rios, os pântanos e as palafitas, os morros e as favelas, donde espiam, filosofando com o cinismo da miséria, os outros...

Mas, esses são os párias econômicos, os abandonados sociais.

Os outros, os párias de luxo, esses brilham na ilusão e se refestelam no conforto em que amolentam o caráter, já debilitado, e esfrangalham as esperanças frouxas dos outros párias, tomando-lhes, ou, para ser exato, roubando-lhes os direitos humanos que também deveriam ter, mas não têm. Aqueles, os párias por falta de dinheiro e família, são chamados “chagas sociais”, mas os outros, os que fulguram em manchetes de jornais, não têm epíteto, porque não há substitutivo para a expressão câncer moral.

Onde estes últimos estão, são eles que têm a miséria e fomentam-na, proclamam acusações contra a impiedade e são os responsáveis pela criminalidade de vário porte, enjaulando nas próprias garras a justiça que os não alcança nos crimes violentos que praticam com as mãos enluvadas; são os que se utilizam das leis em falência para cercear a liberdade daqueles que já são prisioneiros de si mesmos, mas paredes sujas da infelicidade, e trancafiá-los nos cárceres onde colocam guardas armados, fazendo que os carcereiros, que os espionam e sobrecarregam de injúrias, não passem, afinal, de prisioneiros que tomam conta de outros prisioneiros.

Muito maior do que se pensa é a legião dos párias.


Enxameiam nas vielas sórdidas das cidades e nos casebres das vilas ao abandono, inundando, também, os palácios e os apartamentos onde vivem os homens de alto coturno, em cujas existências a degradação fez morada, e de onde a vergonha, por não suportar o assédio da imundície moral, foi expulsa, enxovalhada, a pedradas de ironias e desdém... Fugindo de si mesmos, são incapazes de fitar-se no espelho da consciência, esses párias do poder temporal, que mergulham nas drogas alucinantes para sonhar o pesadelo da mentira que os asfixia, empedernindo-lhes os sentimentos e vencendo neles as mínimas expressões de humanidade.

Há porém, os párias em redenção.

Sofrem e choram, embrulhados no manto da dor e da soledade, expurgando-se, para galgar a montanha da sublimação, após a demorada marcha pelo charco das paixões em superação. Párias pela ausência de luz, que somos quase todos!

A maioria desses párias atua rebocando-se nas misérias sociais e morais em que se abastardam cada vez mais, aprofundando feridas que só o escoar dos séculos pungentes poderá cicatrizar. Outros, porém, sorvem as fezes da aflição corretiva, para retornar aos ninhos da luz donde se evadiram entorpecidos pela loucura do descuido, fugindo às Leis do Divino Estatuto. Impossibilitados de crescer pelo método da razão que conduz, marcham empós da libertação na galé da carne, impedidos de piorar a própria situação.

Ninguém alcança o Reino do Céus senão após o pagamento da dívida, em totalidade de resgate. Mas, ninguém se desata da mãe-Terra sem reequilibrá-la nas leis de harmonia mediante as quais ela também progride. Todo infrator, que a desorganiza, imanta-se-lhe no seio e vincula-se-lhe na constrição evolutiva de repetir o trabalho redentor até que ela se refaça dos atentados, voltando a governá-la a ordem, em ritmo de equilíbrio.

Os párias em redenção sublevam-se, às vezes, mas, aves impossibilitadas de voar, vigiadas pelo falcão do sofrimento, que as espia com agudos olhos, arrastam-se na ascensão e só a pouco e pouco galgam os alcantis donde um dia poderão desprender-se, na direção do infinito azul do Cosmo.

(Espírito de Victor Hugo - Médium: Divaldo P. Franco - Obra: Párias em Redenção)

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