segunda-feira, 31 de outubro de 2016

PRATICANDO O PODER DO AGORA
 Eckhart Tolle

 


Parece que a maioria dos "relacionamentos amorosos" não leva muito tempo para se tornar uma relação de amor e ódio. O amor pode se transformar em agressões furiosas, em sentimentos de hostilidade como num piscar de olhos, em um completo recuo da afeição Isso é visto como normal.
Se em seus relacionamentos você vivenciou tanto o "amor" quanto o seu oposto - a agressão, a violência emocional, etc. - então é provável que você esteja confundindo o apego do ego e a dependência com amor. Não se pode amar alguém em um momento e atacar essa pessoa no momento seguinte. O verdadeiro amor não tem oposto. Se o seu "amor" tem oposto, então não é amor, mas uma grande necessidade do ego de obter um sentido mais profundo e mais completo do eu interior, uma necessidade que a outra pessoa preenche temporariamente. É uma forma de substituição que o ego encontrou e, por um curto período, ela parece ser mesmo a salvação.
Chega então a um momento em que o outro passa a se comportar de um modo que deixa de preencher as nossas necessidades, ou melhor, as necessidades do nosso ego. As sensações de medo, sofrimento e falta, que estavam encobertas pelo relacionamento amoroso voltam a aparecer. Como acontece com qualquer vício, ficamos muito bem enquanto a droga está disponível, mas chega um momento em que a droga não funciona mais.
Quando essas dolorosas sensações de medo reaparecem, nós as sentimos mais fortes do que antes e passamos a ver o outro como a causa de todas dessas sensações. Isso significa que estamos projetando no outro essas sensações, por isso nós o agredimos com toda a violência que é parte do nosso sofrimento.
Essa agressão pode despertar o sofrimento do outro, que é induzido a contra-atacar.Nesse ponto, o ego ainda está, inconscientemente, esperando que a agressão ou a tentativa de manipulação seja suficiente para levar o outro a mudar o comportamento...
Todo vício surge de uma recusa insconsciente de encararmos nossos próprios sofrimentos.Todo vício começa no sofrimento e termina nele. É por isso que, passada a euforia inicial, existe tanta infelicidade, tanto sofrimento nos relacionamentos íntimos. Estes não causam o sofrimento e a infelicidade. eles trazem à superfície o sofrimento e a infelicidade que já estão dentro de nós.Todo vício chega a um ponto em que já não funciona mais para nós, e, então, sentimos o sofrimento mais forte do que nunca.
Não importa se você está vivendo só ou com alguém, a chave do segredo será sempre esta: estar presente e aumentar a presença concentrando a atenção cada vez mais fundo no Agora.
 
Por fim à identificação com o sofrimento do corpo é trazer a presença para o sofrimento e, assim, transformá-lo. Pôr fim à identificação com o pensamento é ser o observador silencionso dos próprios pensamentos e atitudes, em especial dos padrões repetitivos gerados pela mente e dos papéis desempenhados pelo ego. O grande elemento catalisador para mudarmos um relacionamento é a completa aceitação do outro do jeito que ele é, sem querermos julgar ou modificar nada. Isso nos leva imediatamente para além do ego. Nesse momento, todos os jogos mentais e toda a dependênciia viciada deixam de existir.Não existem mais vítima nem agressor, acusador nem acusado.
Como os seres humanos têm se identificado cada vez mais com a mente, a maioria dos relacionamentos não tem as raízes fincadas no Ser. Por isso se transformam em fonte de sofrimento e passam a ser dominados por problemas e conflitos.

O conhecimento e a aceitação dos fatos trazem também um certo grau de distanciamento deles. 
Toda resistência interior é vivenciada como uma negatividade. Toda negatividade é uma resistência. Nesse contexto, as duas palavras são quase sinônimas.
 
A negatividade varia de uma irritação ou impaciência a uma raiva furiosa, de um humor deprimido ou um ressentimento a um desespero suicida. Às vezes, a resistência faz disparar o sofrimento emocional, caso em que mesmo uma situação banal pode produzir uma negatividade intensa, como a raiva, a depressão ou um profundo pesar. O ego acredita que, através da negatividade, possa manipular a realidade e conseguir o que deseja. Acredita que, através dela, pode atrair uma circunstância desejável ou dissolver uma indesejável.
 
Se você - a mente - não acreditou que a  infelicidade funciona, por que a criaria? O fato é que essa negatividade não funciona. Em vez de atrair uma circunstância desejável, ela a interrompe ao nascer. Em vez de desfazer uma circunstância indesejável, ela a mantém no lugar. Sua única "utilidade" é que ela fortalece o ego, e essa é a razão pela qual ele a adora.
 
Uma vez que você tenha se identificado com alguma forma de negatividade, não vai querer que ela desapareça e, em um nível inconsciente mais profundo, não vai desejar uma mudança, você então passa a ignorar, negar ou sabotar aquilo que é positivo em sua vida. É um fenômeno comum. E também doentio.
 
As emoções negativas repetitivas podem, às vezes, conter uma mensagem, como ocorre com as doenças. Qualquer mudança que você faça, seja ela ligada ao seu trabalho, seus relacionamentos ou seu meio ambiente, é apenas uma máscara, a menos que se origine de uma mudança no seu nível de consciência. e, até onde isso interessa, só pode significar uma coisa: estar mais presente. Quando você já tiver alcançado um certo grau de presença, não precisará mais da negatividade para lhe dizer o que é necessário na sua situação de vida. Mas, enquanto a negatividade estiver lá, utilize-a. Use-a como um tipo de sinalizador, um lembrete para estar mais presente.
 
Sempre que sentir a negatividade crescer dentro de você, causada ou não por um fator externo, um pensamento ou mesmo nada em particular, olhe para ela como se fosse uma voz dizendo: "Atenção, Aqui e Agora.Acorde.  Largue a sua mente. Esteja presente".
 
Uma alternativa para descartar uma reação negativa é fazê-la desaparacer ao imaginar a si mesmo se tornando transparente para a causa externa da reação.
 
Não busque a paz. Não busque nenhum outro estado além daquele em que você está agora, senão vai criar um conflito interno e uma resistência inconsciente.
 
Perdoe a si mesmo por não estar em paz. No momento em que você aceitar completamente a  sua intranquilidade, ela se transformará em paz. Qualquer coisa que você aceite completamente vai levá-lo até lá, vai levar você até a paz. Esse é o milagre da entrega.
 
Tendo ultrapassado as fronteiras construídas pela mente, você passa a ser como um lago profundo. Sua situação de vida e o que acontece no mundo exterior são a superfície do lago, às vezes calmo, às vezes cheio de ondas por causa do vento, conforme os períodos e as estações. Lá no fundo, porém, o lago é sempre sereno. Você é esse lago por inteiro, não apenas a superfície, e está em contato com a sua própria profundidade, que permanece absolutamente serena.
 
Enquanto você não está consciente do Ser, a realidade dos outros seres humanos vai causar uma ilusão porque você ainda não encontrou a sua realidade. A mente vai gostar ou não da forma, não só do corpo, mas também da mente deles. O verdadeiro relacionamento só é possível quando existe uma consciência do Ser.
 
A partir do Ser, você vai perceber o corpo e a mente da outra pessoa como se fosse uma tela por trás da qual você pode sentir a verdadeira realidade deles, como você sente a sua. Assim, ao se confrontar com o sofrimento de outra pessoa ou com um comportamento insconsciente, você fica presente e em contato com o Ser e, desse modo, é capaz de olhar além da forma e sentir o Ser radiante e puro da outra pessoa.
 
A compaixão é a consciência de uma forte ligação entre você e todas as criaturas.
Uma das mais poderosas práticas espirituais é meditar profundamente sobre a mortalidade das formas físicas, inclusive da sua. Isso se chama: morrer antes que você morra. Vá fundo nisso. A sua forma física está se dissolvendo, é nada. Então surge um momento em que todas as formas mentais ou pensamentos também morrem. Mas você ainda está lá - a presença divina que você é: radiante, completamente consciente.
 
Nada que é real morre de verdade, somente os nomes, as formas e as ilusões.
Nesse nível profundo, a compaixão se torna um remédio no sentido mais amplo. Nesse estado, a sua influência curativa se baseia não no fazer mas no ser. Todas as pessoas com quem você mantiver contato serão tocadas pela sua presença e afetadas pela paz que você emana, quer elas estejam ou não conscientes disso.
 
Quando estiver inteiramente presente e as pessoas à sua volta tiverem um comportamento inconsciente, você não vai sentir necessidade de reagir. A sua paz será tão grande e profunda que tudo que não for paz desaparecerá nela, como se nunca tivesse existido. Isso quebra o  ciclo cármico de ação e reação.
 
Os animais, as árvores, as flores vão sentir a sua paz e reagir a ela. Você é uma emanação da pura consciência, e assim eliminará a causa do sofrimento.Você eliminará a inconsciência do mundo.
 
Para muitas pessoas, a entrega talvez tenha conotações negativas, como uma derrota, uma desistência, uma incapacidade de se reerguer das ciladas da vida, certa letargia, etc. A verdadeira entrega, entretanto, é algo completamente diferente. Não significa suportar passivamente uma situação qualquer que não aconteça e não fazer nada a respeito, nem deixar de fazer planos ou der ter confiança para começar algo novo. A entrega é a sabedoria simples mas profunda de nos submetermos e não de nos opormos ao fluxo da vida. É abandonar a resistência interior àquilo que é.
A resistência interior acontece quando dizemos "não" para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas "vão mal", o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do sofrimento. A resistência é a mente. A resistência interior acontece quando dizemos "não" para aquilo que é, através do nosso julgamento mental e de uma negatividade emocional. Isso se agrava especialmente quando as coisas "vão mal", o que significa que há um espaço entre as exigências ou expectativas rígidas da nossa mente e aquilo que é. Esse é o espaço do sofrimento. No estado de entrega, você vê claramente o que precisa ser feito e parte para a ação, fazendo uma coisa de cada vez e se concentrando em uma coisa de cada vez. Aprenda com a natureza. Veja como todas as coisas se realizam e como o milagre da vida se desenrola sem insatisfação ou infelicidade. É por isso que Jesus disse: "Olhai os lírios do campo, como eles crescem; não trabalham nem fiam". Você não age mais a partir de uma resistência ou de uma reação. Olhe então para uma situação específica e pergunte-se: "Existe alguma coisa que eu possa fazer para mudar essa situação, melhorá-la ou me retirar dela". Se houver, você toma a atitude adequada.
 
Você não pode estar infeliz e consciente. Se há infelicidade, negatividade ou qualquer forma de sofrimento, significa que existe resistência, e a resistência é sempre inconsciente. Você escolheria a infelicidade? Se não escolheu, como ela apareceu? Qual é o propósito dela? Quem a está mantendo viva? Não polua o seu lindo e radiante Ser interior, nem a Terra, com negatividade. Não transmita infelicidade, nem deixe que ela crie um lugar dentro de você.
 
Seus relacionamentos vão mudar profundamente através da entrega. Se você nunca consegue aceitar o que é, consequentemente não é capaz de aceitar qualquer pessoa do jeito que ela é. Você está sempre julgando, criticando, rotulando, rejeitando ou tentando mudar as pessoas.
 
Observe o apego aos seus pontos de vista e opiniões. Sinta a energia mental e emocional por trás da sua necessidade de ter razão e de mostrar à outra pessoa que ela está errada. Essa é a energia da mente egóica. Você a torna consciente ao reconhecê-la, ao sentí-la o mais completamente possível. Quando abrimos mão da identificação com as nossas posições mentais, começa a verdadeira comunicação. Lembre-se da profunda sabedoria implícita na prática das artes marciais orientais; não ofereça resistência à força opositora. Submeta-se para superá-la.

O ego acredita que a nossa força reside em nossa resistência, quando na verdade, a resistência nos separa do Ser, o único lugar de força verdadeira. A resistência é a fraqueza e o medo disfarçados de força. O que o ego vê como fraqueza é o Ser em sua pureza, inocência e poder. o que ele vê como força é fraqueza. Assim, o ego existe num modo contínuo de resistência e desempenha papéis falsos para encobrir a "fraqueza", que , na verdade, é o nosso poder.Na entrega, não mais precisamos das defesas do ego e das falsas máscaras. Passamos a ser muito simples, muito reais."Isso é perigoso" diz o ego. "Você vai se machucar. Vai ficar vulnerável". O ego não sabe, é claro, que somente quando deixamos de resistir, quando nos tornamos "vulneráveis", é que podemos descobrir a nossa verdadeira e fundamental invulnerabilidade.

Se você tem uma doença grave, use-a para alcançar a iluminação. Use qualquer coisa "ruim" que acontecer na sua vida para alcançar a iluminação... Torne-se um alquimista.Transforme o metal em ouro, o sofrimento em consciência, a infelicidade em iluminação.

Quando você nega o sofrimento emocional, tudo o que você faz ou pensa fica contaminado por ele. Você o irradia, por assim dizer, como a energia que se desprende de você, e outros vão captá-lo subliminarmente.

Uma escolha sugere uma consciência, um alto grau de consciência. Sem ela, não há escolha. A escolha começa no instante em que nos desidentificamos da mente e de seus padrões condicionados, o instante em que nos tornamos presentes. Até alcançar esse ponto, você está inconsciente, espiritualmente falando. Significa que você foi obrigado a pensar, sentir e agir de determinadas maneiras, de acordo com o condicionamento da sua mente. Do mesmo modo, se você é uma das inúmeras pessoas que têm assuntos mal resolvidos com os pais, se ainda guarda ressentimentos por alguma coisa que eles fizeram ou deixaram de fazer, então você ainda acredita que eles tiveram uma escolha e poderiam ter agido diferentemente. Sempre parece que as pessoas fizeram uma escolha, mas isso é ilusão. Enquanto a sua mente, com os seus padrões de condicionamento, dirigir a sua vida, enquanto você for a sua mente, que escolhas você tem? Nenhuma.

Não podemos perdoar a nós mesmos ou aos outros enquanto extrairmos do passado o nosso sentido do eu interior. Somente acessando o poder do Agora, que é o seu próprio poder, pode haver um verdadeiro perdão. isso tira a força do passado e você percebe, profundamente, que nada que você fez ou que os outros lhe fizeram poderia atingir, nem de leve, a radiante essência de quem você é. Quando nos rendemos àquilo que é e assim ficamos inteiramente presentes, o passado deixa de ter qualquer força. Não precisamos mais dele. A presença é a chave. O Agora é a chave.

Se essas pessoas estiverem inconscientes, podem até se ver compelidas a agredir ou machucar você de alguma forma, ou você pode machucá-las em uma projeção inconsciente do seu sofrimento. 

Você atrai e transmite aquilo que corresponde ao seu estado interior. Como a resistência é inseparável da mente, o abandono da resistência - a entrega - é o fim da atuação dominadora da mente, do impostor fingindo ser "você", o falso deus. Todo o julgamento e toda a negatividade se dissolvem.

A região do Ser, que tinha sido encoberta pela mente, se abre. De repente, surge uma grande serenidade dentro de você, uma imensa sensação de paz. E, dentro dessa paz, existe uma grande alegria E, dentro dessa alegria, existe amor. E lá no fundo está o sagrado, o incomensurável, o que não pode ser nomeado.
 

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