sexta-feira, 6 de setembro de 2013


Mude sua Mente. Mude o Mundo.

 
No último dia 15 de maio, a Universidade de Wisconsin realizou o evento “Change your Mind. Change the World.”, com muitos conferencistas brilhantes, que conversaram durante todo o dia com Sua Santidade o Dalai Lama.
No período da tarde, Richard Davidson, cientista reconhecido como uma das pessoas mais influentes do mundo pela Revista Times, apresentou o que a ciência já descobriu sobre o bem-estar. Sensacional! Esse trecho está legendado em português.
Esta mesa foi moderada por Arianna Huffington, jornalista e editora-chefe do Huffington Pots Midia Group. Sempre com intervenções brilhantes, emocionantes e muito espirituosas, como no final desse trecho acima – se você não viu, vale a pena voltar!
Mas gostaria de compartilhar o trecho da conversa de Matthieu Ricard com Sua Santidade o Dalai Lama. Não vou nem comentar! Espero que vocês leiam, ou assistam ao vídeo!
Este trecho também está legendado em português, mas transcrevi para que a gente possa reler as partes que mais nos tocaram. E serão muitas!
Arianna Huffington
Apresento Matthieu Ricard, que por 40 anos tem estudado na região dos Himalaias, como monge budista, fotógrafo, mas também como cientista, que obteve seu PhD no Instituto Pasteur. É um homem que sente tão em casa quando está nas montanhas dos Himalaias quanto no Fórum Mundial Econômico em Davos.
Antes de Matthieu Ricard começar a falar, Sua Santidade diz:
Eu acho que ele dedicou muitos anos a uma prática muito séria. Do ponto de vista de prática, ele tem muito mais experiência do que eu. Realmente! Ele é realmente um monge muito bom! Muito bom monge!
Matthieu Ricard:
Nesta manhã, Sua Santidade, nosso amigo Lord Layard mencionou sobre a importância subestimada da doença mental. Ele afirmou um número de 40% de incapacitação.
Isso significa o número de dias, meses e anos em que você não consegue trabalhar, não consegue funcionar na vida. Não é o número de mortes, mas de dias em que não consegue funcionar.
Em 40% de todos os dias das nossas vidas somos capazes de funcionar e isto está relacionado à doença mental.
Por doença mental ele quer dizer:
  •  depressão, 8%
  • outros transtornos mentais como fobias, ansiedade,  distúrbios pós-traumáticos, e alguns mais sérios como esquizofrenia, todos esses juntos somam 12%
  • diferentes tipos de vícios, que também são problemas mentais: 8% das incapacitações vêm do alcoolismo; e 2% do uso de drogas
Comparado a isso, se analisarmos o câncer, este representa apenas 2%. É claro que o número de mortes devido ao câncer é muito maior do que devido ás doenças mentais. Mas nos casos de câncer, as pessoas se curam, ou morrem; mas em geral, não é uma doença que incapacita por muitos e muitos anos. Mesmo as doenças cardíacas representam 5%.
Significa que grande parte do que influencia negativamente a qualidade de vida se deve a doenças mentais.
Claro que algumas delas se devem a defeitos básicos nos nossos cérebros, como Alzheimer conforme envelhecemos, que é como um enfraquecimento do nosso cérebro; ou algumas formas de esquizofrenia e assim por diante. Mas muito tem a ver com o funcionamento da mente, mentes não saudáveis.
A depressão por exemplo, é claro, é um fenômeno complexo, que tem também a ver com as substâncias químicas no cérebro. Mas tem muita relação com a forma com que lidamos com o mundo.
Ruminamos o passado o tempo todo, cheios de esperanças e expectativas, e medos, centrados em nós mesmos, ” – o que será que vai acontecer”. E perdemos o significado da vida, perdemos a faculdade de expressar e sentir amor.
Todos esses são problemas mentais.
Apego, que leva a diferentes tipos de vícios; em dado momento se torna mais sério, mas começa com uma mente que perdeu seu equilíbrio. Se sentimos alguma coisa prazerosa, queremos essa coisa, de novo, e de novo. Os neurocientistas dirão que você começou a construir algo no seu cérebro que re refere apenas a um “querer”; diferente daquilo que te dá prazer. Por fim, você não gosta mais, mas você quer; e então está viciado. Isso é criado pela mente. Assim como é construído pela mente, uma mente saudável também pode encontrar “remédios”. Sabemos que a terapia cognitiva baseada na atenção plena, que combina as técnicas de Aaron Beck com meditação, é uma das formas mais eficientes para reduzir e prevenir a reincidência da depressão, em 30 a 40% dos casos; para pessoas que tiveram 3 a 4 ou 2 a 3 episódios, é tão eficiente quanto medicamentos. Então isso, de novo, é trabalhar com mentes saudáveis.
Mas nós subestimamos demais o poder de transformação da mente: “isso é assim”, “eu sou assim mesmo”. Dedicamos mais nossas expectativas e medos remediando condições externas: “se tiver aquilo serei feliz”,  ”se não tiver, não posso ser feliz”, coisas assim.
É claro que precisamos melhorar as condições externas  deste mundo, especialmente onde essas condições externas são terríveis – onde não há paz, onde não há comida, onde não há saúde. Mas ainda assim, isso não significa que não temos que cuidar para termos uma mente saudável.
Isso é o que vimos em nossas pesquisas e o que muitos outros estão fazendo.

Então,  é claro que uma mente saudável é obviamente uma necessidade. Porque é com ela que estamos lidando desde a manhã até a noite, quer gostemos ou não. Pode ser nossa melhor companheira mas também pode ser nosso pior inimigo. A forma como nossa mente funciona irá colorir todo o nosso mundo – o mundo que vivenciamos.
Então há todas essas abordagens, desenvolvidas pelas ciências contemplativas, ciências budistas e por muitas tradições Tratam de como desenvolver uma mente mais livre dessas emoções destrutivas de apego, ódio, ciúme, orgulho, confusão mental; e como aprimorar as habilidades, os fatores que levam a uma mente saudável e ao bem-estar: bondade amorosa, compaixão, liberdade interna desses pensamentos errantes, confiança interior, força interior e sobretudo, amor altruísta e compaixão. Sabemos que a compaixão é o que dará a maior satisfação, para você mesmo e também, obviamente para os outros.
Portanto, a mente saudável está intimamente ligada com esse tipo de cuidado, benevolência, altruísmo, amor, compaixão. Porque esse “eu, eu, eu” o dia todo é uma condição muito angustiante para você, e também transforma a vida de todo mundo em angústia. É uma relação perde-perde. Todo mundo perde.
A compaixão é a condição de maior satisfação da mente, e é claro que também estará fazendo os outros se sentirem felizes. É uma situação ganha-ganha.
E isso pode ser treinado. Nossas pesquisas em colaboração demonstraram isso.
Mas como podemos levar isso a um âmbito mas amplo, para as questões levantadas sobre a saúde pública, por exemplo. Bem… se a mente de cada indivíduo for saudável, teremos uma sociedade saudável. Se as pessoas colaborarem mais do que competirem; se houver menos consumismo e mais contentamento; se pudermos encontrar uma simplicidade voluntária, mas simplesmente termos uma vida mais simples e mais feliz. Não é se privar das boas coisas, o que seria estúpido,  mas simplesmente não ser constantemente atormentado por querer mais: quando você tem um, você quer dois e isso não tem fim.
Como podemos trazer isso para questões mais amplas como meio ambiente, e governança global.
Bem… se observarmos os maiores desafios que estamos enfrentando hoje, veremos que estão basicamente fundamentados em três escalas de tempo:
Primeiro, a economia rápida – tudo anda rápido. O mercado de ações sobe e desce em uma semana e ninguém sabe porquê. Algumas pessoas pensam que sabem. Muito rápido! E então, se a economia não vai bem, nada funciona. Essa é uma realidade, que precisamos cuidar.
Mas, é claro, que há a qualidade de vida: como você se sente, como se sente na sua família, a qualidade de vida no seu local de trabalho, na sociedade. O tempo de toda a sua vida – o florescimento, o florescer humano. Felicidade nacional bruta.
Eu estava há alguns dias com Muhammad Yunus, e ele disse, se nos tornarmos robôs de fazer dinheiro, estaremos reduzindo s qualidades maravilhosas do ser humano a essa única dimensão. E isso não vale a pena.
E Gandhi também disse, “sempre haverá o suficiente para a necessidade de todos, mas não o suficiente para a ganância de todos, que não tem limites.”
Então, temos que cuidar dessa segunda dimensão de escala de tempo, que é mais longa – 50 a 100 anos.
E há a seguir uma mais longa, que é o meio ambiente. Agora está se tornando mais curta, pela urgência. Mas antes era de 10 mil anos, 1 milhão de anos, um período mais longo.
É normal que o economista não possa pensar em termos de 100 anos. Porque na sua conta, no final do ano, isso não importa!
Há um comediante americano famoso chamado Grocho Marx. Sou marxista mas este é o Grocho… Ele disse: “porque eu deveria me preocupar com as gerações futuras? O que elas fizeram por mim?” É mais ou menos assim que os economistas estão pensando – “isso não importa pra mim”.
É por isso, que o único conceito que nos permite abarcar essas três escalas de tempo: a economia de agora, a qualidade de vida e a felicidade, e as gerações futuras é a preocupação com os outros,  o altruísmo. Essa é a única forma!
Porque assim, tendo mais consideração com os outros, você não irá jogar, como se estivesse num cassino, com os recursos de outras pessoas.
Tendo mais consideração com os outros, você irá se assegurar de que a sociedade seja harmoniosa.
Tendo mais consideração com os outros, você não irá gostar de coisas que sabidamente estão destruindo o planeta.
Isso é altruísmo, amor, cuidado, compaixão. Está no coração da solução dos nossos problemas. E se baseia na interdependência, na interconexão.
Martin Luther King disse, “nós todos chegamos com botes diferentes mas agora estamos todos no mesmo navio”. Isso é óbvio!
Assim como o individualismo dentro de um grupo, na comunidade, não funciona bem, da mesma forma, no âmbito das nações, se nos concentrarmos apenas no benefício de uma única nação, então não poderemos resolver todos esses grandes problemas. Não tem jeito! Está além do escopo de nações e interesses individuais. É por isso que precisamos cuidar dessas coisas que concernem a todos nós. Nós todos respiramos  mais ou menos o mesmo ar. Se isso estiver em perigo, deveríamos nos preocupar!
Isso nos leva à questão de gerarmos mais altruísmo. É sensacional saber que isso é parte da natureza humana e que pode ser cultivado.
Então devemos ir em frente e fazer o nosso melhor. E acho que essa é a chave para resolver esses problemas, cognitivamente, e também como seres humanos, nós podemos mudar e devemos nos transformar em uma sociedade mais amorosa.
Arianna Huffington:
Poderíamos ficar aqui para sempre, se dependesse de mim!
Matthieu também disse em outra ocasião, que se conseguíssemos atingir uma massa crítica de pessoas que pensam nos outros, que operam a partir dos instintos altruístas em vez da ganância puramente egoísta, então esse poderia ser um ponto de partida para que todas estas questões que estamos abordando pudessem ter uma solução.
Sua Santidade vê essa massa crítica e esse ponto de partida no horizonte?
Sua Santidade
Eu acho que, pelo menos, neste século, se fizermos um esforço constante, com uma visão clara, por meio da educação, eu acho possível, há uma possibilidade aí.
É por isso que estamos trabalhando para introduzir a ética secular no sistema moderno de educação, como parte do curriculum, desde o jardim da infância até a universidade.
Eu sinto que essa é a chave. Apenas explicações sobre o altruísmo não são suficientes.
Temos que educar as pessoas sistematicamente.
Eu sempre digo, que somos egoístas. Está certo! Mas o egoísmo deveria ser um egoísmo sábio em vez de um egoísmo tolo. Em geral, nosso pensamento é egoísta, pensando apenas em nós mesmos. Na verdade, estamos perdendo os amigos e perdendo muitas coisas boas. Pensando mais no bem-estar dos outros seres, você acaba recebendo o benefício máximo. Esse é o egoísmo sábio.
Mas, novamente, não por ensinamentos ou bençãos, mas por meio da educação. Nós temos essa habilidade de pensar sobre interesses de longo prazo, de curto prazo.
Eu acho que por meio da educação, nós podemos mudar. Acho bem possível!
E de qualquer forma, sendo possível ou não, certas coisas em certos níveis ou certos períodos parecem impensáveis. Mas o tempo muda e outras realidades [surgem].
Eu acho que agora pensamos mais em nossos mundos internos, em valores internos. As circunstâncias criaram mais e mais problemas mentais. Na verdade, algumas pessoas dizem que o mundo todo está sofrendo uma espécie de crise moral. É verdade! Portanto, agora, as próprias circunstâncias estão nos mostrando.
O meio ambiente também. A própria mãe natureza, o planeta mãe está nos mostrando. Deveríamos tomar cuidados mais sérios com o planeta mãe.
Então, a nova realidade nos força, e nós temos que pensar de forma mais ampla, mais holística, de forma mais compassiva.
Isso depende inteiramente da conscientização, da educação.
Agora, acho que o problema é como introduzir essa ética no sistema educacional.
Todas as religiões seguem mais ou menos uma mesma ética, mas como o Papa Bento XVI, “fé e razão devem estar juntas”. É verdade, de fato. Mas em geral, se em alguma medida nos basearmos em religião, isso dependerá de fé. Então, para as pessoas que têm uma fé sincera, isso funcionará. Para outras pessoas pode ser difícil.
Agora, é necessário que seja por meio da educação.
Demonstrar preocupação com os outros seres é a melhor forma de atingir o seu próprio bem-estar, incluindo seu bem-estar físico e o bem-estar de sua família.
Acho que temos material científico suficiente para educar as pessoas. Esse é o único jeito, a única esperança.
Dessa forma, eu acho que há uma possibilidade de termos um mundo melhor. Um mundo melhor significa um mundo mais compassivo, e então, certamente um mundo melhor. Um mundo pacífico.
Isso é responsabilidade de todo mundo, particularmente agora dos cientistas. Eu frequentemente digo que os cientistas, no mundo moderno, são os verdadeiros mestres, os verdadeiros gurus. É claro que a cooperação plena, entre cientistas e educadores trabalhando juntos, e para prosseguir no trabalho, de tempos em tempos, devem ter discussões sérias .
E particularmente a universidade deve tomar essa iniciativa para mais discussões. Então, pelo menos a geração atual de estudantes na universidade pode ter novas idéias. E a geração deles poderá ser de pessoas responsáveis.
Arianna Huffington então encerrou a sessão lindamente:
Eu sinto muito por termos chegado ao final desta sessão, mas acho que falo em nome de todos: nós realmente queremos fazer parte dessa massa crítica sobre a qual SS e Matthieu Ricard falaram. De minha parte e em nome da mídia, posso dizer que faremos o que for possível para acelerar a educação de todos.
Foram feitos todos os agradecimentos e então, em meio aos aplausos, Sua Santidade começou novamente a falar. Prepare-se!

Eu acho que nas últimas décadas, com este tipo de trabalho (se dirigindo a Richard Davidson e se referindo à colaboração da ciência), nós temos nos visto regularmente para realizar este trabalho. Os resultados de hoje vêm do trabalho de uma equipe – teamwork! Eu realmente agradeço!
Então, é muito natural… No passado, na história da humanidade, todos esses grandes mestres, primeiro, era uma única pessoa. Seus ensinamentos e suas explicações, eram realistas e benéficos e cada vez mais pessoas se interessaram. Dessa forma, difundiram os ensinamentos. Um grupo pequeno multiplicou para 100 pessoas, milhares de pessoas, cem mil pessoas, um milhão, cem milhões, um bilhão.
Só há um caminho de transformar a humanidade – mudar a forma de pensar da humanidade. Então o estilo de vida irá mudar.
Este século poderá ser um século extraordinário comparado ao meu século; o Século XXI comparado ao Século XX poderá ser realmente extraordinário. O século passado foi de derramamento de sangue, de violência.
Como mencionei, este cérebro brilhante (apontando para a cabeça de Richard Davidson) pode ser usado para a destruição. Os físicos nucleares, cérebros maravilhosos, mas seu conhecimento ficou à disposição do ódio, da raiva. Acho que este século não deve ser dessa forma.
Então, vocês da platéia, não devem pensar que passaram alguns momentos aqui, ouvindo o que essa pessoa disse, o que aquela pessoa disse. Não é isso! Pensem mais seriamente. Cada um de vocês! E então, compartilhem com mais pessoas. Talvez tenhamos aqui 1.000 pessoas. Compartilhem com, pelo menos, dez pessoas e isso significará dez mil. E essas dez mil pessoas, com mais dez pessoas – e então, teremos cem mil.
E é assim! Todos temos a mesma responsabilidade e o mesmo potencial. Não devemos pensar: “ah, eu sou apenas um”, “o problema é enorme, não posso fazer muita coisa”. Você não deve pensar assim. A iniciativa precisa partir de cada indivíduo. A paz, por exemplo, precisa começar com a paz interior individual. E dessa forma, uma família pacífica, uma sociedade pacífica.
E quando realmente tivermos desenvolvido uma sociedade pacífica, novas lideranças, vindas desse tipo de sociedade serão mais sensatos. Esta sociedade está repleta de competição, cheia de ganância, cheia de desconfiança. E então liderar também é difícil, não é?
Não podemos culpar esses líderes. Nós falhamos em criar uma sociedade saudável! Então, a responsabilidade é nossa!
 

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